Síndrome do Impacto do Ombro: Termo Correto ou Equivocado?

Introdução

      Por décadas, o termo "Síndrome do Impacto do Ombro" (SIO) tem sido amplamente utilizado na literatura médica para descrever a dor subacromial associada ao movimento do ombro. No entanto, estudos recentes questionam essa nomenclatura, sugerindo que o conceito tradicional de "impacto mecânico" pode não refletir adequadamente os mecanismos fisiopatológicos envolvidos. Será que é hora de abandonar esse termo? Vamos explorar essa questão.

A Origem do Conceito de Impacto

     A teoria do impacto foi proposta por Neer na década de 1970, baseando-se na ideia de que a compressão mecânica dos tendões do manguito rotador contra o arco coracoacromial levaria à inflamação, dor e eventual degeneração da estrutura.2 A partir disso, surgiram abordagens terapêuticas focadas na descompressão cirúrgica, como a acromioplastia.1

     Contudo, evidências científicas atuais desafiam essa visão simplista. Um estudo multicêntrico controlado e randomizado, publicado no The Lancet, demonstrou que a cirurgia de descompressão subacromial não oferece benefício significativo sobre o placebo (artroscopia diagnóstica) no alívio da dor.1 Isso indica que o mecanismo da dor pode não estar exclusivamente ligado ao impacto mecânico.

O Papel do Espaço Subacromial na Dor

     Se a compressão mecânica fosse a principal causa da dor, esperaríamos que a redução do espaço acromio-humeral (EAH) estivesse diretamente associada ao desenvolvimento de sintomas. No entanto, uma revisão sistemática e meta-análise demonstrou que não há correlação consistente entre a dor no ombro e a diminuição do EAH.2

     Além disso, outro estudo investigou padrões de dor gerados por irritação experimental do espaço subacromial e da articulação acromioclavicular e concluiu que a distribuição da dor diferia significativamente entre essas regiões, sugerindo que o diagnóstico baseado em testes provocativos pode não ser suficiente para indicar o impacto como a causa primária da dor.3

Uma Nova Perspectiva: Dor Relacionada ao Manguito Rotador

     Diante dessas evidências, vários autores sugerem abandonar o termo "Síndrome do Impacto do Ombro" em favor de uma nomenclatura mais precisa, como "Dor Relacionada ao Manguito Rotador" (Rotator Cuff-Related Shoulder Pain). Essa mudança reflete uma visão mais abrangente, que considera fatores além do impacto mecânico, incluindo:

  • Alterações degenerativas naturais do tendão;
  • Disfunções musculares e fraqueza do manguito rotador;
  • Influências biopsicossociais na percepção da dor.

     Essa abordagem é crucial para direcionar melhor o tratamento, que deve priorizar estratégias conservadoras baseadas em exercício terapêutico e educação do paciente.

Conclusão

     A ideia de que o impacto subacromial é a causa primária da dor no ombro tem sido fortemente contestada pela ciência. A cirurgia de descompressão não se mostrou mais eficaz do que o placebo, e não há uma relação clara entre o espaço subacromial e a dor. Assim, termos como "Dor Relacionada ao Manguito Rotador" parecem ser mais adequados para descrever esse quadro clínico. Como profissionais de saúde, é nosso dever atualizar nosso conhecimento e garantir que a terminologia usada reflita melhor a realidade biológica dos pacientes.

Referências

  1. Beard DJ, Rees JL, Cook JA, et al. Arthroscopic subacromial decompression for subacromial shoulder pain (CSAW): a multicentre, pragmatic, parallel group, placebo-controlled, three-group, randomised surgical trial. Lancet. 2018;391(10118):329-338.
  2. Park SW, Chen YT, Thompson L, et al. No relationship between the acromiohumeral distance and pain in adults with subacromial pain syndrome: a systematic review and meta-analysis. Sci Rep. 2020;10:20611.
  3. Galantay RV, Gerber C, Hersche O. The pattern of pain produced by irritation of the acromioclavicular joint and the subacromial space. J Shoulder Elbow Surg. 1998;7(4):352-355.

 

 

Leonardo Rios Diniz, PT, DO MRO(Br), MSc

Fisioterapeuta e Osteopata
Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB)
Formação em Osteopatia pelo Instituto Brasileiro de Osteopatia W. G. Sutherland
Pós-graduação em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília (UnB)
Membro do Registro Brasileiro dos Osteopatas
Aprimoramento em Doenças Reumáticas pela EULAR (European Alliance of Associations for Rheumatology)
Aprimoramento em Biomecânica Crâneo-Cervical e Fisiopatologia da ATM
Sócio-diretor da Corpo Clínica de Fisioterapia Ltda.

Professor em cursos de graduação, pós-graduação e formação em terapia manual
Pesquisador em terapia manual e aprimoramento do diagnóstico clínico e funcional
Tradutor técnico-científico em ciências da saúde
Host do Podcast Osteopatia Científica
Cofundador da Comunidade Osteopatia Científica

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