Os Mecanismos da Terapia Manual: O Que a Ciência Realmente Diz?

 Por muitos anos, a eficácia da terapia manual foi atribuída principalmente a correções biomecânicas ou liberação de estruturas anatômicas restritas. No entanto, a ciência contemporânea vem questionando essas explicações simplistas, propondo uma visão mais integrada e neurofisiológica dos efeitos terapêuticos. O estudo "The Mechanisms of Manual Therapy: A Living Review of Systematic, Narrative, and Scoping Reviews" oferece uma síntese abrangente das evidências disponíveis, revelando a complexidade dos mecanismos envolvidos e seus impactos clínicos.

1. Para Além da Biomecânica: Uma Visão Multissistêmica

A revisão destaca que os efeitos da terapia manual não podem ser explicados apenas por alterações articulares ou liberação de tecidos moles. Em vez disso, os mecanismos são distribuídos em três grandes domínios:

🔹 Neurofisiológicos: Incluem modulação da dor por meio de vias descendentes, liberação de opioides endógenos, alterações no córtex sensoriomotor e mudanças na excitabilidade do sistema nervoso central.
🔹 Psicossociais: Envolvem expectativas, crenças, relação terapeuta-paciente e o contexto da intervenção (efeitos placebo e nocebo).
🔹 Biomecânicos: Embora ainda presentes, têm um papel limitado e não exclusivo. Pequenas mudanças na mobilidade articular não explicam sozinhas os benefícios observados.

💡 Dica clínica: A eficácia da terapia manual está menos na força aplicada e mais na forma como o cérebro interpreta o estímulo e reorganiza a resposta.

2. O Papel do Sistema Nervoso na Resposta à Terapia Manual

A modulação da dor promovida pela terapia manual envolve mecanismos centrais e periféricos:

✔ Ativação de vias inibitórias descendentes (ex: PAG e medula rostral ventromedial).
✔ Redução da sensibilidade periférica e central.
✔ Alterações em áreas cerebrais associadas à dor, como ínsula, tálamo e córtex pré-frontal.
✔ Estímulo de áreas do sistema nervoso autônomo, promovendo relaxamento e analgesia.

📌 Esses efeitos ocorrem de forma rápida, muitas vezes com alívio imediato da dor, mas nem sempre se mantêm sem uma intervenção ativa complementar (como exercícios).

3. O Contexto Importa: Efeitos Psicossociais e Expectativas

A forma como a terapia manual é explicada e conduzida influencia diretamente seus efeitos clínicos:

✔ Expectativa positiva aumenta o efeito analgésico.
✔ Empatia e escuta ativa ampliam o envolvimento do paciente.
✔ Modelos biomédicos ultrapassados podem induzir medo, catastrofização e dependência da técnica.

💡 Dica clínica: Substitua termos como “alinhamento incorreto” por “movimento adaptável”. O discurso clínico também modula o sistema nervoso do paciente.

4. Integração com Outras Abordagens: Um Caminho Necessário

A revisão deixa claro que a terapia manual deve ser parte de um plano terapêutico maior. Ela é mais eficaz quando:

✔ Integrada a exercícios e educação sobre dor.
✔ Usada como ferramenta de dessensibilização e facilitação de movimento.
✔ Acompanhada de estratégias para promover autonomia e reduzir medo do movimento.

📌 Terapia manual não é o fim do tratamento, mas um facilitador para restaurar a função e reengajar o paciente em sua recuperação.

Conclusão: Entendendo a Terapia Manual Pela Lente da Neurociência

O artigo reforça que os mecanismos da terapia manual vão muito além da anatomia. Seus efeitos são mediados por respostas neurofisiológicas complexas, altamente influenciadas pelo contexto e pelas interações humanas. Entender isso não diminui o valor da técnica — ao contrário, fortalece sua aplicação ética, estratégica e centrada no paciente.

Você já adaptou sua linguagem clínica ou abordagem após entender melhor os mecanismos da terapia manual? Como isso impactou seus resultados? Compartilhe sua visão!

Referências

  • Bialosky, J. E., et al. (2025). The Mechanisms of Manual Therapy: A Living Review of Systematic, Narrative, and Scoping Reviews. Journal of Manual Therapy Science, 52(1), 1–29.

  • O’Connell, N. E., et al. (2022). What are we really doing with manual therapy? A call for critical reflection. Pain Reports, 7(4), e1030.

  • Moseley, G. L., & Butler, D. S. (2020). The explain pain framework. Neuroorthopaedic Institute Publications.


Prof Leonardo Nascimento, Ft Msc DO PhD

Fisioterapeuta
Pós-graduado em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva pela UNICID/SP
Especialista em Terapia Manual e Postural pela Cesumar/PR
Especialista em Osteopatia pela Universidade Castelo Branco/RJ
Osteopata Certificado pela Escola de Madrid
Professor da Escola de Madrid Internacional
Mestre em Ciências – USP
Diplomado em Osteopatia pela SEFO (Scientific European Federation Osteopaths)
Doutor em Neurociências e Comportamento - FMUSP

É um estudioso da área de palpação e sensibilidade manual tátil no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento na Universidade de São Paulo – USP
Colaborador do DO-Touch - AOA (American Osteopathic Association)
Coordenador de Grupos de Pesquisas da Escola de Madrid Internacional
Host do Podcast Osteopatia Científica
Revisor de Periódicos de Fisioterapia e Osteopatia

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Controle Motor: A Base Científica que Está Revolucionando a Reabilitação!

Nervo vertebral

O teste de discriminação de dois pontos melhora com o tempo de prática?