Diagnóstico em Osteopatia: Estamos Mesmo Acertando?
A arte do diagnóstico é, sem dúvida, uma das competências mais
valorizadas na prática osteopática. No entanto, muitos profissionais ainda
constroem seus raciocínios clínicos a partir de modelos desatualizados,
centrados em suposições anatômicas frágeis, interpretações ambíguas de testes
manuais e uma confiança excessiva na experiência subjetiva. Isso não apenas
compromete a precisão diagnóstica, mas também pode alimentar um ciclo de
intervenções ineficazes, exames desnecessários e mensagens clínicas que
reforçam crenças equivocadas no paciente.
Modelos diagnósticos como a “disfunção somática” — tradicionalmente
considerados pilares da osteopatia — têm sido amplamente criticados por sua
baixa confiabilidade, ausência de validade clínica e por promoverem uma visão
mecanicista e reducionista do corpo humano. Diagnósticos baseados apenas na
sensibilidade à palpação, em assimetrias posturais ou em testes com validade
duvidosa deixam o profissional vulnerável ao erro e ao viés de confirmação.
Mais do que isso, ao negligenciar fatores contextuais,
neurofisiológicos, cognitivos e emocionais do paciente, corremos o risco de
oferecer uma explicação simplista para problemas complexos. Décary et al.
argumentam que é preciso reformular a forma como construímos nossos
diagnósticos musculoesqueléticos, utilizando frameworks que consigam integrar
as múltiplas dimensões da dor e da disfunção. Em outras palavras: não basta
saber fazer testes — é preciso saber o que esses testes realmente significam e
o quanto (ou se) ajudam a orientar decisões clínicas eficazes.
É aqui que a Prática Baseada em Evidências (PBE) se torna indispensável.
A PBE não propõe substituir a experiência clínica, mas sim qualificá-la, ao
integrá-la com as melhores evidências científicas disponíveis e com os valores
e contexto do paciente. Isso exige que o osteopata vá além da técnica: que
desenvolva raciocínio clínico, senso crítico e habilidade de comunicação para
compartilhar decisões com o paciente.
Charles et al. destacam a importância de transitar do modelo
paternalista — onde o terapeuta decide tudo — para uma abordagem de parceria,
em que o paciente participa ativamente da escolha do melhor caminho
terapêutico. Essa mudança de mentalidade, além de ética, é eficiente: promove
maior adesão ao tratamento, melhora a satisfação e aumenta a segurança das
decisões clínicas.
Mas essa transformação não acontece sozinha. É preciso formação
contínua, disposição para rever crenças e coragem para abandonar práticas que,
apesar de tradicionais, já não se sustentam à luz da ciência. Como lembra Chad
Cook, muitas críticas à terapia manual decorrem justamente da perpetuação de
filosofias ultrapassadas e da resistência em adotar um modelo mais baseado em
evidências e centrado no paciente.
Se você é osteopata ou estudante da área, talvez essa pergunta te
provoque:
Sua prática está alinhada com a melhor evidência disponível — ou ainda
depende de narrativas que resistem à ciência?
💬 Queremos saber de você:
👉 Qual o
maior desafio que você encontra para aplicar a PBE no dia a dia da sua clínica?
📩 Ou compartilhe: Qual foi a maior crença que você já precisou repensar na sua formação?
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