A dor que ninguém explica... e a mudança que precisamos fazer.

 "A pior dor é a dor inexplicável."

Essa frase, que dá título ao artigo recente de Mintken et al (2025), diz mais do que parece à primeira vista. Ela não fala apenas da dor em si — fala do vazio que se forma quando um paciente busca ajuda, mas sai da consulta com uma resposta que não responde. Quando os exames não mostram nada "grave", mas a dor continua ali, diária, real, incapacitante... ou quando se trata o que está no exame e também não se consegue mudar o quadro; o que sobra para o paciente?

Muitas vezes, sobra o silêncio. Sobra a dúvida. Sobra o medo.
E o medo pode aumentar a dor.

 

O modelo patoanatômico falhou em oferecer sentido

Durante décadas, ensinamos que dor vem de estrutura. Que o problema está no disco, no osso, na cartilagem. Mas hoje a ciência nos mostra que a relação entre estrutura e sintoma é fraca, inconsistente, e frequentemente enganosa. Muitas hérnias, artroses e “degenerações” aparecem em pessoas que não têm nenhuma dor. E muitas dores intensas surgem sem qualquer alteração visível.

Mesmo assim, continuamos dizendo: “Você tem uma hérnia, por isso sente dor.”
Mas... e se isso não for verdade?
E pior: e se essa explicação estiver aumentando a dor?

Então, por que ainda insistimos em “consertar” o que talvez nem esteja quebrado?

Mintken et al. sugerem uma saída: trocar os rótulos patoanatômicos por classificações funcionais — como "dor com déficit de mobilidade" ou "dor com coordenação alterada". Isso desloca o foco da lesão para a função. Em vez de dizer ao paciente o que ele tem, passamos a conversar sobre o que ele pode fazer.

Mas será que isso resolve tudo?

É uma mudança poderosa. Mas — e aqui começa nossa reflexão crítica — será que ela resolve o problema?

Trocar o rótulo, sem mudar o pensamento, não basta

Déficits de força, mobilidade ou coordenação também não provam causalidade. Muitas vezes, esses “déficits” são consequência da dor, não a causa. Então, se não tivermos cuidado, apenas trocaremos uma explicação fraca por outra — com a mesma rigidez, só que com outra roupa.

Por isso, é essencial dar um passo a mais. Um passo em direção à humildade científica. 
Um passo rumo a uma clínica que não depende de certezas para oferecer alívio.

Cuidar sem precisar saber tudo: isso também é ciência

A proposta mais profunda não é abandonar a estrutura e adotar a função. 
É abandonar a ilusão de que precisamos de uma resposta para poder começar. 
É dizer ao paciente: 
“Talvez a gente não saiba exatamente o porquê… mas sabemos por onde começar.”

E esse "por onde começar" é a verdadeira revolução.

É quando passamos a valorizar o sono, o estresse, o movimento, a alimentação, o afeto, o ambiente, a história de vida. 
É quando o plano terapêutico deixa de ser uma lista de correções e vira um caminho de reconstrução. 
É quando a função vira um meio de devolver confiança — não de rotular o paciente novamente.

Porque no fundo, o que cura é o sentido.

A dor sem explicação não é só física — ela é existencial. 
E o que mais adoece o paciente não é a ausência de um diagnóstico… 
É a ausência de uma história que o inclua.

Por isso, o papel do profissional é mais do que detectar padrões ou aplicar técnicas. 
É oferecer sentido, acolhimento, linguagem, presença.

É ajudar o paciente a entender que ele não está quebrado. 
Que ele pode melhorar sem precisar “consertar” nada. 
Que o corpo sente, mas também responde. Que ele está no centro da própria recuperação.

 O que você quer oferecer: uma explicação... ou uma direção?

Você pode continuar dizendo: “Isso é uma hérnia.” 
Ou pode começar a dizer: “Seu corpo está reagindo. Vamos ajudar ele a se reorganizar?”

Você pode continuar dizendo: “Não tem nada aí.” 
Ou pode começar a dizer: “Tem muita coisa que podemos fazer.”

Você escolhe se quer ser o técnico que descreve… 
Ou o guia que acompanha.

A dor inexplicável não precisa de um rótulo novo. 
Precisa de um olhar diferente.

E se você está lendo isso até aqui, talvez você também esteja pronto para mudar.


Leonardo Rios Diniz, PT, DO MRO(Br), MSc

Fisioterapeuta e Osteopata
Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB)
Formação em Osteopatia pelo Instituto Brasileiro de Osteopatia W. G. Sutherland
Pós-graduação em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília (UnB)
Membro do Registro Brasileiro dos Osteopatas
Aprimoramento em Doenças Reumáticas pela EULAR (European Alliance of Associations for Rheumatology)
Aprimoramento em Biomecânica Crâneo-Cervical e Fisiopatologia da ATM
Sócio-diretor da Corpo Clínica de Fisioterapia Ltda.

Professor em cursos de graduação, pós-graduação e formação em terapia manual
Pesquisador em terapia manual e aprimoramento do diagnóstico clínico e funcional
Tradutor técnico-científico em ciências da saúde
Host do Podcast Osteopatia Científica
Cofundador da Comunidade Osteopatia Científica

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Controle Motor: A Base Científica que Está Revolucionando a Reabilitação!

Nervo vertebral

O teste de discriminação de dois pontos melhora com o tempo de prática?