Síndrome do Piriforme: o álibi perfeito para quem não sabe diagnosticar
Introdução
Existe um vilão de estimação nos
consultórios: o piriforme.
Toda dor glútea irradiada que não encaixa em diagnóstico lombar vira, de forma quase
automática, “síndrome do piriforme”. É simples, rápido e convincente para o
paciente. O problema? É também um atalho perigoso e, na maioria das
vezes, um erro grosseiro.
A verdade é que a síndrome do piriforme
existe, mas é rara. E só deve ser cogitada quando todo o resto
foi descartado.
O que a ciência mostra
Nos últimos dez anos, a síndrome foi
reposicionada como parte de um grupo maior: a síndrome glútea profunda,
onde o nervo ciático pode ser comprimido não apenas pelo piriforme, mas também
pelo obturador interno, gêmeos, tendão dos isquiotibiais ou por alterações
anatômicas.
Ou seja, colocar tudo na conta do
piriforme é anticientífico.
Estatísticas que desmontam o mito
Aqui está a parte que todo profissional
sério precisa encarar:
- A incidência e prevalência exatas
na população geral são incertas, porque não existem critérios
diagnósticos universalmente aceitos e porque a apresentação clínica se
sobrepõe a outras condições lombossacrais.
- Estudos observacionais sugerem que, entre
pacientes com dor lombar crônica, a prevalência pode variar
de 13,7% a 17,2%, dependendo do critério diagnóstico (por exemplo,
uso do teste FAIR modificado aliado a avaliação clínica
criteriosa). [1–2]
- Em contextos específicos, como pós-discectomia
lombar endoscópica, a incidência pode chegar a 40,4%.
[2]
- Já na população geral, estima-se
que a síndrome do piriforme represente menos de 6% dos casos de dor
ciática.
Em resumo: estamos falando de uma
condição muito menos prevalente do que o diagnóstico em massa que vemos
na prática clínica. A maioria dos pacientes rotulados como “piriforme”
provavelmente tem outra coisa.
Quem realmente tem síndrome do piriforme?
- Adultos de meia-idade (média de 50
anos).
- Mais comum em mulheres, geralmente
com variações anatômicas que predispõem à compressão.
- Em homens, costuma aparecer
associada a causas tumorais ou expansivas.
- Rara em jovens e praticamente inexistente em crianças.
Como se apresenta
- Dor profunda no glúteo, irradiando para a
parte de trás da coxa.
- Piora ao sentar muito tempo, melhora ao levantar e se movimentar.
- Muitas vezes confundida com ciática
discal.
O diagnóstico de verdade
É clínico, mas de exclusão. Antes
de falar em piriforme, o profissional sério precisa descartar:
- hérnia discal lombar,
- estenose,
- radiculopatias,
- síndrome isquiofemoral,
- tendinopatia proximal dos isquiotibiais,
- bursite trocantérica,
- disfunção sacroilíaca,
- neuropatias diversas.
Só aí entram os testes específicos
(FAIR, Pace, Freiberg, Beatty). E mesmo eles, isolados, não provam nada.
Precisam de contexto clínico e convergência de achados.
Por que isso importa?
Porque transformar o piriforme em
“diagnóstico coringa” é um desserviço:
- Atrasamos o tratamento correto de quem tem hérnia discal, disfunção
sacroilíaca ou tendinopatia.
- Medicalizamos uma dor que poderia ser resolvida com
avaliação criteriosa.
- Perdemos credibilidade com o paciente — que descobre, mais cedo
ou mais tarde, que foi rotulado de forma preguiçosa.
Conclusão
A síndrome do piriforme é real, mas não
é justificativa para preguiça diagnóstica. Se o raciocínio é: “não achei
nada na coluna, então deve ser piriforme”, estamos diante de má prática,
não de ciência.
Os dados falam por si: menos de 6% dos
casos de ciatalgia na população geral. A maioria das vezes, não é o piriforme
que está gritando — é o clínico que está se calando diante do diagnóstico
difícil.
Diagnosticar é investigar até o fim.
O piriforme pode até ser culpado, mas, na maioria das vezes, é só o bode expiatório
da dor glútea mal interpretada.
Referências
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Leonardo
Rios Diniz, PT, DO MRO(Br), MSc
Fisioterapeuta e Osteopata
Mestre em Ciências Médicas pela
Universidade de Brasília (UnB)
Formação em Osteopatia pelo Instituto Brasileiro de Osteopatia W. G. Sutherland
Pós-graduação em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília
(UnB)
Membro do Registro Brasileiro dos Osteopatas
Aprimoramento em Doenças Reumáticas pela EULAR (European Alliance of
Associations for Rheumatology)
Aprimoramento em Biomecânica Crâneo-Cervical e Fisiopatologia da ATM
Sócio-diretor da Corpo Clínica de Fisioterapia Ltda.
Professor em cursos de graduação, pós-graduação e formação em terapia manual
Pesquisador em terapia manual e aprimoramento do diagnóstico clínico e
funcional
Tradutor técnico-científico em ciências da saúde
Host do Podcast Osteopatia Científica
Cofundador da Comunidade Osteopatia Científica
Membro do CABSIN (Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa)
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