🏋️‍♂️ CrossFit, Core e Dor: O que a ciência nos conta

             Uma tríade de estudos recentes sobre CrossFit e disfunções musculoesqueléticas abre uma janela privilegiada para entender como um esporte de alta intensidade interage com mecanismos de dor, desempenho e controle motor. O que emerge não é uma resposta única, mas um mosaico de achados que exige olhar clínico crítico e integrador.

 

🔹 Dor Subacromial: o laboratório do trapézio e serrátil

            O estudo de Guérineau et al. (2025) mostra que atletas de CrossFit com dor subacromial unilateral apresentam alterações discretas, mas relevantes, no padrão de ativação muscular:

  • Mais atividade de trapézio inferior na fase concêntrica.
  • Menos atividade de serrátil anterior na fase isométrica.

            Isso não estabelece um padrão de dor, mas aponta para compensações específicas que podem gerar instabilidade escapular e perpetuar sintomas. Para nós, a lição é clara: a dor no ombro do CrossFitter não é homogênea; cada atleta desenvolve estratégias próprias de ativação, e a reabilitação precisa ser personalizada — com foco no controle motor fino da escápula.

 

🔹 Core e Performance: resistência ou panaceia?

            Yentür et al. (2025) reforçam uma velha intuição: quem tem mais endurance de core tende a performar melhor no CrossFit. Pranchas mais longas, extensores lombares mais resistentes, side plank mais sólido → tudo isso se correlaciona com melhores resultados funcionais.

            Mas aqui entra um ponto importante: correlação não é causalidade. Não podemos afirmar que treinar apenas o core vai transformar um atleta em campeão. O que esses dados sugerem é que o core funciona como suporte de tolerância à carga, e seu déficit pode ser um gargalo. Clinicamente, vale a pena avaliar e treinar endurance de core, sobretudo em prevenção e reabilitação, mas sem cair no mito de que o “core é o centro de tudo”.

 

🔹 Lombalgia no CrossFit: vilã ou aliada?

            O trabalho de Sánchez-Romero et al. (2025) coloca a questão da lombalgia sob outra luz:

  • A prevalência é significativa (como em qualquer esporte de força).
  • Mas muitos relatam melhora funcional e até alívio de dor crônica ao treinar CrossFit.

            Isso quebra a visão simplista de que “CrossFit causa dor lombar”. A realidade é mais complexa: CrossFit pode tanto expor vulnerabilidades quanto fortalecer e proteger, dependendo de como o treino é estruturado, supervisionado e adaptado.

 

Juntos, esses estudos nos ensinam:

1.   Dor no CrossFit é multifatorial. Ombro e lombar não sofrem apenas pela carga, mas pela forma como cada atleta recruta, resiste e compensa.

2.  Avaliação individual é chave. Não há biomarcador universal de dor (nem EMG, nem endurance). O clínico precisa mapear compensações, tolerância e fatores psicossociais.

3.  Treino pode ser solução ou problema. CrossFit mal orientado gera sobrecarga; bem periodizado, pode ser ferramenta de reabilitação e resiliência funcional.

4.  O mito do core como panaceia cai. Endurance é importante, mas não explica tudo; deve ser integrado a uma visão global de movimento.

5.  O raciocínio clínico deve abraçar a incerteza. Nenhum desses estudos dá respostas absolutas, mas todos ajudam a afinar a lente crítica do profissional.

            Para os profissionais envolvidos, a grande mensagem é que CrossFit não é inimigo nem salvador da pátria. Ele é um contexto de exposição à carga extrema, no qual os mecanismos de dor e adaptação se revelam com clareza.

            Se o clínico souber ler os sinais (padrões de ativação, endurance, tolerância lombar) e intervir de forma direcionada — restaurando controle motor, ajustando carga e integrando o paciente ao seu ambiente de treino —, o CrossFit deixa de ser risco e se torna um aliado poderoso na reabilitação musculoesquelética.

 

👉 A dor no CrossFitter não é sentença; é um mapa.

👉 Cabe a nós interpretar esse mapa, não impor um destino.

 


Leonardo Rios Diniz, PT, DO MRO(Br), MSc

Fisioterapeuta e Osteopata
Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB)
Formação em Osteopatia pelo Instituto Brasileiro de Osteopatia W. G. Sutherland
Pós-graduação em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília (UnB)
Membro do Registro Brasileiro dos Osteopatas
Aprimoramento em Doenças Reumáticas pela EULAR (European Alliance of Associations for Rheumatology)
Aprimoramento em Biomecânica Crâneo-Cervical e Fisiopatologia da ATM
Sócio-diretor da Corpo Clínica de Fisioterapia Ltda.
Professor em cursos de graduação, pós-graduação e formação em terapia manual
Pesquisador em terapia manual e aprimoramento do diagnóstico clínico e funcional
Tradutor técnico-científico em ciências da saúde
Host do Podcast Osteopatia Científica
Cofundador da Comunidade Osteopatia Científica
Membro do CABSIN (Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa)

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