Rigidez Espinhal Postero‑Anterior em Pacientes com Dor Lombar
A sensação de “coluna rígida” é queixa comum entre pacientes com dor lombar — muitos profissionais inclusive baseiam intervenções manuais a partir dessa percepção. O estudo de Harsted et al. (2021) buscou quantificar essa rigidez de modo instrumentado (isto é, eletrônico/computacional) e relacionar os valores medidos com variáveis clínicas (idade, sexo, dor, incapacidade).
O que foi feito?
Foram avaliados 127 pacientes encaminhados a atendimento de segundo nível com dor lombar.
Utilizou-se um dispositivo de indentação (o VerteTrack) para aplicar pressão postero‑anterior à coluna, mensurando deslocamento e força (medidas de rigidez “global” e “terminal”).
Em seguida, cruzaram-se esses valores com 14 variáveis independentes (idade, sexo, escore de incapacidade, fatores psicométricos etc.) por meio de modelos de regressão com seleção de subset (best subset) para entender quais preditores melhor explicam a rigidez medida.
Principais achados
Rigidez terminal (aquela medida no ponto final de carga) foi fortemente influenciada por sexo e idade (p < 0,001).
Rigidez global foi melhor explicada por idade (p = 0,003) e incapacidade funcional (p = 0,024).
Em suma: variáveis demográficas e de incapacidade explicam parte da variabilidade da rigidez espinhal medida, sugerindo que essa rigidez é “multifatorial” — não determinada apenas por fatores estruturais locais.
Reflexões Críticas: Limitações e Cautelas
Mesmo sendo um estudo bem realizado, há pontos metodológicos que merecem questionamento:
Corte transversal
Por natureza, o estudo não permite inferir causalidade. Ou seja: não sabemos se rigidez aumenta dor/incapacidade ou se dor e alterações crônicas “modulam” a rigidez.Heterogeneidade da amostra
São pacientes de segundo nível, com variadas durações e intensidades de dor lombar, com diferentes comorbidades e tratamentos prévios – o que torna difícil controlar variáveis de confusão.Instrumentação com limitações
Medir rigidez com dispositivos é tecnicamente desafiador: pequenos desalinhamentos, resposta muscular ativa, força intraabdominal e variabilidade de posicionamento podem influenciar os resultados. Estudos anteriores já apontaram que medidas posteroanterior têm reliabilidade moderada.Seleção de variáveis e risco de overfitting
O uso de modelos best subset com muitas variáveis pode levar a modelos que “encaixam bem” naquela amostra específica, mas que não generalizam para outras populações.Efeito residual não explicado
Mesmo com os preditores identificados, uma grande parcela da variabilidade da rigidez permanece sem explicação — mostrando que muitos fatores ainda não capturados (anatômicos, biomecânicos, neuromusculares) estão em jogo.
Sobre o periódico: Clinical Biomechanics
O estudo foi publicado em Clinical Biomechanics, periódico bem estabelecido na área de biomecânica clínica e ortopédica. Ele é indexado em bases como ScienceDirect e possui boa reputação entre pesquisadores da biomecânica aplicada.
– Impacto e Critérios Científicos
Embora eu não tenha encontrado uma fonte confiável para o fator de impacto exato da Clinical Biomechanics no momento desta redação, sabe-se que periódicos nessa área costumam figurar entre os de médio a alto impacto dentro da fisioterapia, biomecânica e reabilitação.
Vale lembrar que o fator de impacto é uma métrica global, que tem limitações: ele pode ser influenciado por poucos artigos muito citados, não reflete necessariamente a qualidade de cada estudo individual e pode variar ano a ano.
O que podemos levar para a prática clínica?
A rigidez lombar medida de modo objetivado não se apresenta como marcador único e decisivo para direcionar terapias manuais.
Fatores demográficos e a incapacidade relatada influenciam as medidas — logo, uma leitura isolada da rigidez pode induzir erro.
A rigidez é, muito provavelmente, um fenômeno multifatorial, englobando componentes estruturais, neuromusculares e adaptativos.
Em vez de buscar exclusividade na rigidez, o clínico sábio utiliza este dado como um complemento ao raciocínio – e não como verdade absoluta.
Referência
Harsted S, et al. Posterior to anterior spinal stiffness measured in a sample of 127 secondary care low back pain patients.Clinical Biomechanics. 2021.
Prof Leonardo Nascimento, Ft Msc DO PhD
Fisioterapeuta
Pós-graduado em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva pela UNICID/SP
Especialista em Terapia Manual e Postural pela Cesumar/PR
Especialista em Osteopatia pela Universidade Castelo Branco/RJ
Osteopata Certificado pela Escola de Madrid
Professor da Escola de Madrid Internacional
Mestre em Ciências – USP
Diplomado em Osteopatia pela SEFO (Scientific European Federation Osteopaths)
Doutor em Neurociências e Comportamento - FMUSP
É um estudioso da área de palpação e sensibilidade manual tátil no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento na Universidade de São Paulo – USP
Colaborador do DO‑Touch - AOA (American Osteopathic Association)
Coordenador de Grupos de Pesquisas da Escola de Madrid Internacional
Host do Podcast Osteopatia Científica
Revisor de Periódicos de Fisioterapia e Osteopatia
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