Terapia Craniossacral: Entre a Intuição e a Ausência de Evidência

 A terapia craniossacral (TCS) é frequentemente apresentada como uma técnica manual sutil e poderosa, capaz de tratar uma infinidade de disfunções — de cefaleias a transtornos do espectro autista — por meio de toques quase imperceptíveis no crânio e sacro. No entanto, quando submetida ao crivo da ciência e da metodologia rigorosa, essa abordagem mostra-se frágil, baseada em premissas fisiológicas inconsistentes, baixa plausibilidade biológica e pobre sustentação empírica.

As bases teóricas: onde está a coerência fisiológica?

A TCS parte da premissa de que existe um "ritmo craniossacral" independente, gerado pela flutuação do líquido cerebroespinhal, que pode ser percebido pelas mãos do terapeuta treinado. Aqui começa o problema:

  • Não há evidência fisiológica robusta que comprove a existência desse ritmo como um fenômeno autônomo e palpável. Estudos de histologia, fisiologia e neuroanatomia não sustentam essa hipótese.

  • A mobilidade dos ossos cranianos em adultos, proposta como fundamental para a terapia, é extremamente limitada ou nula devido à ossificação das suturas após a infância.

Bordoni e Varacallo (2023), defensores da técnica, descrevem esses fenômenos com linguagem ambígua, sem respaldo em estudos controlados ou revisões sistemáticas de alta qualidade.

O toque sutil: precisão mágica?

Defensores afirmam que é possível sentir movimentos de amplitude milimétrica ou menor — algo que vai contra a precisão tátil demonstrada por estudos sobre sensibilidade manual, inclusive em profissionais altamente treinados. Allison et al. (2011) mostraram que a confiabilidade interavaliador na detecção do ritmo craniossacral é equivalente ao acaso.

Revisões sistemáticas: o veredito da ciência

  1. Ernst (2012) revisou os estudos clínicos sobre TCS e concluiu: evidência insuficiente para qualquer condição.

  2. Jakel & von Hauenschild (2011) avaliaram ensaios clínicos sobre TCS em dor e função: qualidade metodológica baixa, ausência de cegamento, amostras pequenas e grande viés de publicação.

  3. Haller et al. (2009) em revisão para o Mayo Clinic Proceedings, destacam que os efeitos positivos observados não superam o placebo com significância estatística consistente.

Viés e efeito contextual: o que realmente explica os resultados?

Grande parte do efeito da TCS pode ser atribuída ao ambiente de cuidado, à expectativa positiva e ao efeito placebo. Em outras palavras, não é a técnica, mas a atenção, o ambiente e a crença que modulam a experiência do paciente — o que não justifica sua prescrição como intervenção clínica baseada em evidência.

Riscos éticos e epistemológicos

  • A continuidade da TCS como prática clínica sem embasamento representa um risco de desinformação e desperdício de recursos.

  • Há violação do princípio da não maleficência ao oferecer uma intervenção sem eficácia comprovada como se fosse científica.

  • O uso da TCS em condições pediátricas ou neurológicas graves extrapola a fronteira da pseudociência para o território da irresponsabilidade clínica.

Conclusão

A terapia craniossacral falha nos critérios fundamentais da medicina baseada em evidências: baixa plausibilidade biológica, ausência de mecanismos comprovados, falta de replicabilidade dos achados e fraca relação custo-benefício. Seu uso deve ser restrito a contextos de pesquisa controlada, com consentimento informado honesto e sem a pretensão de cura ou modulação fisiológica.

Profissionais sérios comprometidos com a ciência devem reavaliar criticamente essa prática, substituindo o misticismo por metodologia e a crença por conhecimento.


Referências:

  • Ernst E. Craniosacral therapy: A systematic review of the clinical evidence. Focus Altern Complement Ther. 2012.

  • Haller H, et al. Craniosacral therapy for the treatment of chronic pain: A systematic review. Mayo Clin Proc. 2009.

  • Jakel A, von Hauenschild P. A systematic review to evaluate the clinical benefits of craniosacral therapy. Complement Ther Med. 2011.

  • Allison D, et al. Inter-rater reliability of craniosacral rate palpation. J Altern Complement Med. 2011.

  • Bordoni B, Varacallo M. Craniosacral Therapy. StatPearls. 2023.


Prof Leonardo Nascimento, Ft Msc DO PhD
Fisioterapeuta
Pós-graduado em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva pela UNICID/SP
Especialista em Terapia Manual e Postural pela Cesumar/PR
Especialista em Osteopatia pela Universidade Castelo Branco/RJ
Osteopata Certificado pela Escola de Madrid
Professor da Escola de Madrid Internacional
Mestre em Ciências – USP
Diplomado em Osteopatia pela SEFO (Scientific European Federation Osteopaths)
Doutor em Neurociências e Comportamento - FMUSP
É um estudioso da área de palpação e sensibilidade manual tátil no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento na Universidade de São Paulo – USP
Colaborador do DO-Touch - AOA (American Osteopathic Association)
Coordenador de Grupos de Pesquisas da Escola de Madrid Internacional
Host do Podcast Osteopatia Científica
Revisor de Periódicos de Fisioterapia e Osteopatia

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