Síndrome da Cauda Equina: Um Guia Prático ou Mais do Mesmo?
A Cauda Equina Syndrome (CES) continua sendo uma das condições neurológicas mais temidas — e mal compreendidas — dentro da prática musculoesquelética. O artigo publicado na The Lancet Rheumatology por Woodfield et al. (2023) tenta organizar esse caos diagnóstico com uma proposta de definição prática e classificações clínicas progressivas.
Mas a pergunta que fica é: será que finalmente temos um modelo confiável ou só mais uma tentativa de padronizar o impalpável?
🔍 O Problema: Diagnóstico Ambíguo e Alto Risco Médico-Legal
Apesar de ser uma emergência neurológica clássica, a CES é frequentemente mal diagnosticada. O tempo para descompressão cirúrgica influencia diretamente os resultados, mas o diagnóstico precoce é desafiador — tanto pelos sintomas iniciais vagos quanto pela falta de consenso sobre o que realmente configura uma CES "real".
📘 O Proposto: Uma Classificação Funcional por Estágios
O artigo propõe 4 categorias principais da CES, com base na progressão clínica:
CES-S (suspected) – Dor lombar severa + ciatalgia bilateral, mas sem déficits neurológicos ainda.
CES-I (incomplete) – Déficits neurológicos motores/sensitivos nos membros inferiores ou genitais, mas sem retenção urinária.
CES-R (retention) – Retenção urinária confirmada, associada a anestesia em sela e/ou perda de função sexual.
CES-C (complete) – Perda total da função esfincteriana e anestesia em sela persistente.
Essa proposta visa facilitar decisões cirúrgicas rápidas e comunicação entre equipes, mas não resolve a incerteza diagnóstica dos estágios iniciais, especialmente na CES-S e CES-I — onde os exames de imagem podem ser inconclusivos.
🧠 Pontos Críticos da Abordagem
✅ Pontos Positivos
Linguagem clínica clara e útil na prática.
Incentiva triagem precoce mesmo sem sinais clássicos completos.
Apoia o uso de Red Flags com gradação de risco funcional.
⚠️ Limitações Importantes
O modelo depende fortemente de sintomas subjetivos (ex: parestesia em sela) e testes nem sempre disponíveis(ex: resíduo urinário pós-miccional).
Pouca discussão sobre testes físicos específicos ou critérios positivos em avaliação musculoesquelética.
Falta análise de falsos positivos em exames de ressonância — frequente em hérnias volumosas sem sintomas radicais.
👨⚕️ Aplicações Clínicas Reais
Para o fisioterapeuta ou osteopata, isso muda o jogo?
Sim, em parte. Essa classificação reforça a importância de:
Triagem rigorosa de Red Flags em dores lombares com ciatalgia bilateral, disfunções esfincterianas ou sintomas atípicos.
Encaminhamento imediato em casos de CES-I ou CES-R, mesmo sem déficits motores claros.
Reconhecimento de que CES é um espectro funcional, e não uma entidade binária (“tem ou não tem”).
Por outro lado, a avaliação clínica ainda carece de ferramentas objetivas e validadas para essa diferenciação. A decisão final segue sendo clínica + imagem + tempo.
💬 Conclusão: Um Passo Importante, Mas Longe da Resposta Final
O artigo de Woodfield et al. é valioso por propor uma linguagem funcional e progressiva, alinhada com a prática clínica. No entanto, continua dependente da subjetividade do paciente e da interpretação do examinador.
Como clínicos, devemos adotar esse framework como uma estrutura de alerta — mas sempre com senso crítico, integrando contexto, função, histórico e imagem. E, acima de tudo, manter o princípio de segurança: na dúvida, encaminhe.
📚 Referência comentada:
Woodfield J, Hoeritzauer I, Jamjoom AAB, et al. Cauda equina syndrome—a practical guide to definition and classification. The Lancet Rheumatology. 2023;5(4):e226–e234. doi:10.1016/S2665-9913(22)00321-6
Prof. Leonardo Nascimento, Ft MSc DO PhD
Fisioterapeuta
Pós-graduado em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva pela UNICID/SP
Especialista em Terapia Manual e Postural pela Cesumar/PR
Especialista em Osteopatia pela Universidade Castelo Branco/RJ
Osteopata Certificado pela Escola de Madrid
Professor da Escola de Madrid Internacional
Mestre em Ciências – USP
Doutor em Neurociências e Comportamento – FMUSP
Pesquisador do CABSIN (Congresso Brasileiro de Saúde Integrativa)
É um estudioso da área de palpação e sensibilidade manual tátil no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento da Universidade de São Paulo – USP
Colaborador do DO-Touch – AOA (American Osteopathic Association)
Coordenador de Grupos de Pesquisas da Escola de Madrid Internacional
Host do Podcast Osteopatia Científica
Revisor de Periódicos de Fisioterapia e Osteopatia
Comentários
Postar um comentário