Degeneração Vertebral Sem Sintomas: O Peso da Imagem Nem Sempre é Clínico

 A revisão sistemática conduzida por Brinjikji et al. (2015) lançou luz sobre uma das questões mais controversas da prática clínica musculoesquelética: o significado das alterações degenerativas na coluna vertebral observadas por imagem em indivíduos assintomáticos. A pesquisa compilou dados de 33 estudos com mais de 3.100 pacientes, evidenciando que diversas anormalidades radiológicas consideradas patológicas são, na verdade, extremamente comuns em pessoas sem dor.

Os números são contundentes. Cerca de 37% dos jovens de 20 anos já apresentam degeneração discal em exames de imagem, percentual que sobe para 96% aos 80 anos. Protusões discais foram encontradas em até 30% dos indivíduos aos 20 anos e em mais de 80% aos 80. Outras alterações, como desidratação do disco, protrusão, fissuras anulares, osteófitos e espondilólise, mostraram padrões similares de aumento com a idade — mas sem qualquer correlação clínica com dor lombar ou cervical nesses sujeitos.

Esses achados impõem uma reflexão crítica sobre o uso excessivo e muitas vezes precoce de exames de imagem na prática clínica. A mera presença de alterações estruturais na ressonância não pode, por si só, explicar o quadro álgico do paciente. A associação entre estrutura e função é mais complexa do que um modelo linear de “lesão = dor”.

Para fisioterapeutas, osteopatas e médicos que atuam na linha de frente da dor musculoesquelética, os dados reforçam a necessidade de se adotar uma abordagem clínica baseada em evidências, onde o raciocínio diagnóstico deve ser guiado por sinais, sintomas, exame físico e fatores biopsicossociais — e não apenas por achados de imagem.

A revisão também destaca um ponto importante: o risco de sobrediagnóstico e de intervenções desnecessárias. A leitura acrítica de laudos pode levar a rótulos que geram medo, evitação de movimento e até procedimentos invasivos, sem qualquer ganho clínico real. Um simples “protusão discal” em um paciente assintomático pode, se mal interpretada, se transformar em uma jornada de exames, terapias e insegurança.

O artigo de Brinjikji é, portanto, uma chamada à responsabilidade clínica. Em vez de reforçar a narrativa biomédica de que toda dor decorre de uma lesão visível, ele convida os profissionais a pensarem além da imagem. Nem toda alteração estrutural importa. E muitas vezes, o que parece “degenerado” é apenas o resultado esperado do envelhecimento biológico.

Referência
Brinjikji W, Luetmer PH, Comstock B, et al. Systematic Literature Review of Imaging Features of Spinal Degeneration in Asymptomatic Populations. AJNR Am J Neuroradiol. 2015 Apr;36(4):811-6. doi:10.3174/ajnr.A4173

Prof. Leonardo Nascimento, Ft MSc DO PhD
Fisioterapeuta
Pós-graduado em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva pela UNICID/SP
Especialista em Terapia Manual e Postural pela Cesumar/PR
Especialista em Osteopatia pela Universidade Castelo Branco/RJ
Osteopata Certificado pela Escola de Madrid
Professor da Escola de Madrid Internacional
Mestre em Ciências – USP
Doutor em Neurociências e Comportamento – FMUSP
Pesquisador do CABSIN (Congresso Brasileiro de Saúde Integrativa)
É um estudioso da área de palpação e sensibilidade manual tátil no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento da Universidade de São Paulo – USP
Colaborador do DO-Touch – AOA (American Osteopathic Association)
Coordenador de Grupos de Pesquisas da Escola de Madrid Internacional
Host do Podcast Osteopatia Científica
Revisor de Periódicos de Fisioterapia e Osteopatia

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