Osteopatia: Entre a Tradição e a Ciência — Como Honrar Nossas Raízes sem Cair em Mitos
A osteopatia nasceu de uma ousadia. No final do século XIX, Andrew Taylor Still olhou para o corpo humano e enxergou algo que a medicina da época ignorava: um sistema integrado, capaz de autorregulação, onde saúde e doença não eram meros acidentes, mas respostas complexas da natureza.
Essa visão global nos trouxe até aqui. Mas junto
dela vieram explicações que, com o tempo, se cristalizaram em certezas. Hoje,
precisamos de coragem para revisitar essas certezas, separando o que é raiz
viva do que virou mito.
Osteopatia Musculoesquelética
No princípio,
falávamos de lesão primária e disfunção somática, acreditando que um
bloqueio sutil poderia desorganizar todo o corpo. A Lei da Artéria reforçava a ideia de que a circulação era
chave para a saúde. Mais tarde, o possibilismo
anatômico e o modelo de tensegridade
ajudaram a explicar como uma restrição local poderia repercutir em regiões
distantes.
O toque refinado era visto como a ferramenta
capaz de identificar e corrigir essas disfunções invisíveis. Essa tradição nos
deu identidade e ensinou a ver o corpo de forma integrada.
Porém, a ciência atual nos lembra: a
confiabilidade da palpação em identificar microlesões é baixa, tensegridade é
modelo conceitual e não diagnóstico, e as manipulações funcionam mais por modulação neurofisiológica, biomecânica e
psicossocial do que pela correção de “lesões ocultas”. Preservamos a
visão global, mas explicamos nossos resultados com base em fisiologia real.
Osteopatia
Visceral
Jean‑Pierre Barral
trouxe a ideia de lesão visceral primária,
Finet & Williame falaram em colunas
de pressão, François Ricard em ptoses
viscerais, Busquet nas cadeias
viscerais, entre outros que
contribuíram para esse campo da Osteopatia. Esses modelos
expandiram nosso olhar: mostraram que vísceras, diafragmas e fáscias participam
do equilíbrio postural e podem influenciar dores distantes.
O mérito é indiscutível: trouxeram para o
consultório algo que a biomedicina clássica muitas vezes ignorava. Mas, aqui
também faltam provas: não temos evidência robusta de que se possa detectar
lesões viscerais primárias ou microptoses por palpação. Os efeitos observados
parecem advir de modulação autonômica,
melhora respiratória e do contexto terapêutico, não de
reposicionamento visceral manual.
A mensagem correta ao paciente não é “vou
recolocar seu fígado no lugar”, mas: “vamos
usar técnicas que ajudam seu corpo a respirar melhor, relaxar e regular funções
que podem estar contribuindo para seus sintomas.”
Osteopatia
Craniana
Sutherland
introduziu o Movimento Respiratório
Primário; Magoun consolidou o ensino; Upledger popularizou a terapia craniossacral; e outros que
vieram depois tentaram correlacionar a palpação craniana com as ondas autonômicas de Traube‑Hering‑Mayer.
O valor dessa linha foi enorme: mostrou que o
toque suave pode induzir relaxamento profundo e reduzir sintomas funcionais. Mas,
a ciência é clara: suturas adultas não se movem de forma palpável, a
confiabilidade da palpação é baixa, e os ritmos cranianos não foram
comprovados. Os efeitos, quando existem, parecem vir de modulação autonômica e do ambiente terapêutico,
não de “suturas que respiram”.
Conclusão
A tradição
osteopática nos legou algo precioso: a coragem de olhar o corpo como um todo e
de valorizar o toque humano. Mas, atualizar nosso conhecimento e compreensão do
que fazemos não é trair nossas origens. É justamente o contrário: é honrá‑las com maturidade, transformando
metáforas inspiradoras em explicações fisiológicas reais, baseadas em
evidências.
Assim, a osteopatia deixa de ser um conjunto de
mitos e se consolida como uma ciência
clínica viva e replicável, capaz de
dialogar com o presente sem perder a alma que a fundou.
Leonardo Rios Diniz, PT, DO MRO(Br), MSc
Fisioterapeuta e Osteopata
Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB)
Formação em Osteopatia pelo Instituto Brasileiro de Osteopatia W. G. Sutherland
Pós-graduação em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília (UnB)
Membro do Registro Brasileiro dos Osteopatas
Aprimoramento em Doenças Reumáticas pela EULAR (European Alliance of Associations for Rheumatology)
Aprimoramento em Biomecânica Crâneo-Cervical e Fisiopatologia da ATM
Sócio-diretor da Corpo Clínica de Fisioterapia Ltda.
Professor em cursos de graduação, pós-graduação e formação em terapia manual
Pesquisador em terapia manual e aprimoramento do diagnóstico clínico e funcional
Tradutor técnico-científico em ciências da saúde
Host do Podcast Osteopatia Científica
Cofundador da Comunidade Osteopatia Científica
Membro do CABSIN (Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa)
Sem fundamentação, não é ciência, é achismo. Obrigado
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