O Diafragma Respiratório na Visão Osteopática: Mito, Método e Evidência

 A literatura osteopática frequentemente eleva o diafragma a um papel central na saúde global do corpo, atribuindo a ele funções que vão além da respiração — como o bombeamento linfático, regulação visceral e impacto direto sobre dores na coluna. Mas até que ponto essa visão tem respaldo científico consistente?

1. Fundamentos Teóricos — Uma Visão Holística ou Extrapolada?

Sagrillo & Frigo (2016) revisaram estudos que relacionam o diafragma a dores na lombar, cervical, refluxo gastroesofágico e ao sistema linfático. Ainda que defendam um conceito de “cadeias disfuncionais”, a revisão encontrou apenas 10 artigos compatíveis, muitos com viés e baixa robustez metodológica.

Os argumentos anatômicos destacam:

  • Relações fasciais entre o diafragma e musculatura lombar ou pélvica (como psoas, quadrado lombar).

  • Inervação frênica (C3‑C5) implicando a conexão direta com segmentos cervicais, potencialmente explicando dores referidas.

2. Evidências Empíricas — O Que Dizem os Estudos?

  • Pesquisa de Kolar et al. (2010) encontrou que pacientes com dor lombar crônica mostraram diafragma mais elevado, plano e com menor excursão respiratória, sugerindo fadiga ou disfunção

  • Janssens et al. (2013) observaram que treinamento muscular inspiratório melhorou propriocepção e diminuiu dor lombar em voluntários sintomáticos 

  • Um estudo de Hosking (2009) aplicou técnicas osteopáticas no diafragma e observou, em participantes assintomáticos, aumento no volume corrente e na taxa respiratória (via ultrassom e espirometria), mas sem controle adequado ou seguimento clínico funcional

3. Técnicas Usuais na Prática — Doming, Liberação Indireta e Outras

O manual osteopático propõe técnicas como:

  • Doming do diafragma: pressão direcionada durante a expiração visando expandir o domo frênico.

  • Liberação indireta: posicionamento do paciente em zona de tensão mínima, com mobilização junto à respiração e equilíbrio postural 

Entretanto, há escassez de ensaios clínicos randomizados e controlados com desfechos funcionais significativos.

4. Análise Crítica — O que falta para ser evidência sólida?

AspectoObservação Crítica
Consistência metodológicaPouca padronização entre protocolos de avaliação e intervenção.
Desfechos clínicos relevantesFalta de medidas de dor e função musculoesquelética nos estudos.
Controle de viésQuase nenhuma tentativa de cegamento, amostras pequenas e ausência de grupo placebo.
Plausibilidade biológicaAs ligações entre diafragma e dores cervicais/lombares ainda são hipótese, sem comprovação definitiva.

5. Aplicação Clínica — O Que Fazer?

  • Use técnicas no diafragma com cautela e justificativa clara, não como “cura milagrosa”.

  • Avalie funcionalmente os efeitos reais: melhora da dor, respiração, mobilidade, e não apenas sensorial.

  • Combine com exercícios respiratórios, mobilizações torácicas e abordagem multimodal.

  • Informe o paciente honestamente sobre o nível de evidência disponível.


    A revisão de Sagrillo & Frigo (2016) reforça uma perspectiva interessante sobre o papel do diafragma na osteopatia. No entanto, as evidências permanecem insuficientes para fundamentar intervenções isoladas. Até que surjam ensaios sólidos, a prática no diafragma deve ser considerada experimental e integrativa, não obrigatória ou central.

📚 Referências

  • Sagrillo LM, Frigo LF. The respiratory diaphragm in osteopathic vision: a literature review. MTP & Rehabilitation Journal. 2016;14:1–6. doi:10.17784/mtprehabjournal.2016.14.0414

  • Kolar P, Sulc J, Neuwirth J, et al. Stabilizing function of the diaphragm: dynamic MRI and synchronized spirometric assessment. J Appl Physiol. 2010;109(4):1064–1071 

  • Janssens L, Claeys K, Pijnenburg M, et al. Inspiratory muscle training affects proprioceptive use and low back pain. Med Sci Sports Exerc. 2013;47(1):12–19

  • Hosking SW. The effect of osteopathic manipulative techniques on diaphragm movement and respiratory function in asymptomatic subjects. Master’s Thesis, Unitec NZ. 2009. 

  • Bordoni B, Zanier E. Anatomic connections of the diaphragm: influence of respiration on the body system. J Multidiscip Healthc. 2013;6:281–291 


Prof Leonardo Nascimento, Ft Msc DO PhD
Fisioterapeuta
Pós-graduado em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva pela UNICID/SP
Especialista em Terapia Manual e Postural pela Cesumar/PR
Especialista em Osteopatia pela Universidade Castelo Branco/RJ
Osteopata Certificado pela Escola de Madrid
Professor da Escola de Madrid Internacional
Mestre em Ciências – USP
Diplomado em Osteopatia pela SEFO (Scientific European Federation Osteopaths)
Doutor em Neurociências e Comportamento – FMUSP
É um estudioso da área de palpação e sensibilidade manual tátil no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento na USP
Colaborador do DO‑Touch – AOA (American Osteopathic Association)
Coordenador de Grupos de Pesquisa da Escola de Madrid Internacional
Host do Podcast Osteopatia Científica
Revisor de periódicos de fisioterapia e osteopatia

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