Conexão Corporal, Ansiedade e a Promessa da Osteopatia: Quando o Toque Cura — ou só Acalma?
O artigo "Effects of a myofascial and lymphatic osteopathic manipulative treatment protocol on mood and body connection" (Levy & Jung, 2025) é, à primeira vista, um daqueles trabalhos que aquecem o coração de quem acredita que o toque pode transformar. Que a fascia sente. Que a mente e o corpo dançam em sincronia e que a osteopatia pode mudar o ritmo desse baile.
Existe algo de muito bonito
nesse estudo. Uma proposta integrativa. Uma
tentativa de romper a barreira entre o físico e o psíquico. Um protocolo
padronizado que tenta fugir do “tratamento black box”
tão comum nas pesquisas em OMT.
A estrutura do estudo é elegante: protocolo bem descrito, instrumentos validados (DASS, STAI, SBC), análise estatística com GEE
e Cohen’s d, efeitos clinicamente significativos em ansiedade, depressão e
dissociação corporal. Um desenho limpo, sem interferências terapêuticas
externas. E, ainda por cima, publicado em uma revista de acesso aberto, com
linguagem clara e acessível.
Até aqui, aplausos. 👏
Mas então,
a maquiagem começa a escorrer.
Porque quando tiramos o verniz da proposta
integrativa e olhamos com lupa científica, o que encontramos é um estudo sem
medidas objetivas de função autonômica, sem controle de placebo, com um
grupo recrutado dentro da própria escola médica, e — como cereja no bolo
— sem nenhuma mensuração real do que ele diz tratar: o sistema linfático.
Isso mesmo.
O estudo defende efeitos sobre o SNA... mas
não mede HRV, nem pressão, nem cortisol.
Fala de melhora na drenagem linfática… mas não
avalia linfa, edema, bioimpedância ou marcadores inflamatórios.
Tudo é deduzido por melhora de
autoquestionários. E, sabemos bem: basta meia hora
de atenção, um toque cuidadoso e um ambiente acolhedor para que scores
subjetivos de ansiedade e dissociação comecem a despencar.
Mas não, não se trata disso, dizem os autores —
trata-se de um protocolo osteopático padronizado que modula fascia, nervos e
emoções.
Claro. Só faltou provar.
Tem cara de
ciência, gosto de ciência, cheiro de ciência... mas talvez só seja um TCC
institucional bem vestido.
E de fato, é difícil não suspeitar que este seja um
estudo feito para atender um rito de passagem acadêmico — mais voltado a validar
a prática local da escola do que a realmente gerar conhecimento clínico
robusto. A amostra é pequena, o grupo experimental tinha menos histórico
psiquiátrico que o controle (viés de seleção), não houve cegamento de ninguém e
o grupo controle sequer recebeu um toque placebo.
Então como saber se foi a técnica… ou o simples
fato de alguém segurar seu pé por 45 minutos e olhar nos seus olhos com
empatia?
(Spoiler: não sabemos.)
“Ah, a ciência osteopática… esse nobre esforço de
descrever sentimentos com estatísticas enquanto ignora o sistema nervoso que
jurava estar modulando.”
É louvável que nossos colegas tentem padronizar
intervenções manuais. Mas é preciso coragem para medir aquilo que pode
contradizer nossa crença terapêutica. E neste ponto, seguimos falhando com
elegância.
Publicamos efeitos emocionais da manipulação sem
medir emoção.
Falamos de linfa, sem medir linfa.
Modulamos o sistema autonômico, sem medir o SNA.
E ao final, damos um tapinha nas costas da “ciência
baseada em questionários” e seguimos publicando como se estivéssemos salvando o
mundo — quando na verdade, estamos apenas nos confortando em nosso próprio
toque.
A boa notícia?
Ainda dá tempo de mudar. Trocar o medo da refutação pela ousadia da mensuração. Trocar o
conforto institucional pela dúvida metodológica. Trocar o "foi
publicado" pelo "foi relevante".
Leonardo Rios Diniz, PT, DO MRO(Br), MSc
Fisioterapeuta e OsteopataMestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB)
Formação em Osteopatia pelo Instituto Brasileiro de Osteopatia W. G. Sutherland
Pós-graduação em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília (UnB)
Membro do Registro Brasileiro dos Osteopatas
Aprimoramento em Doenças Reumáticas pela EULAR (European Alliance of Associations for Rheumatology)
Aprimoramento em Biomecânica Crâneo-Cervical e Fisiopatologia da ATM
Sócio-diretor da Corpo Clínica de Fisioterapia Ltda.
Professor em cursos de graduação, pós-graduação e formação em terapia manual
Pesquisador em terapia manual e aprimoramento do diagnóstico clínico e funcional
Tradutor técnico-científico em ciências da saúde
Host do Podcast Osteopatia Científica
Cofundador da Comunidade Osteopatia Científica
Membro do CABSIN (Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa)
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