Osteopata Cientista ou Osteopata Don Quixote?

 O Osteopata Don Quixote: o cavaleiro das disfunções imaginárias

        Em tempos modernos, ainda cavalga pelos consultórios o Osteopata Don Quixote, herdeiro simbólico do velho cavaleiro espanhol que guerreava contra moinhos de vento acreditando combater monstros temíveis.

        Armado com antigas doutrinas, livros desgastados e uma fé inabalável nas "verdades" do século XIX, o Osteopata Don Quixote interpreta cada dor, cada desconforto, cada anomalia anatômica como uma ameaça oculta, como uma "disfunção" imperceptível aos olhos dos meros mortais.
Seus olhos, treinados pelo possibilismo anatômico, veem rotações de ossos invisíveis, microlesões etéreas, fluidos primários estagnados e órgãos “desalinhados” clamando por libertação.

        Não importam as evidências atuais; ele recusa as lentes da ciência contemporânea. Suas ferramentas são palpação subjetiva, teorias vitalistas e diagnósticos fundados mais na tradição que na testabilidade.
Para ele, a dor e a doença são causadas por disfunções ocultas que só ele consegue detectar — como um dom místico — e que precisam ser "corrigidas" manualmente, ainda que a literatura científica demonstre que tais disfunções sejam improváveis ou irrelevantes.

        O Osteopata Don Quixote é guiado por quatro ilusões principais:

  • A Ilusão da Estrutura Absoluta: acreditar que desalinhamentos anatômicos explicam todas as dores e disfunções.

  • A Ilusão da Auto-Suficiência Corporal: crer que o corpo, se manipulado, sempre se autocurará, desconsiderando contextos biopsicossociais.

  • A Ilusão do Diagnóstico Esotérico: criar cadeias causais imaginárias entre estruturas distantes para justificar qualquer intervenção.

  • A Ilusão do Heroísmo Terapêutico: posicionar-se como salvador, enquanto perpetua dependência terapêutica e medicaliza normalidades.

        Assim, como o Don Quixote de Cervantes, ele batalha bravamente contra monstros que ele mesmo cria — enquanto a realidade, complexa e multifatorial, permanece ignorada.
        A cada "disfunção corrigida", o moinho apenas gira mais forte.


O Osteopata Cientista: o cavaleiro da razão e da evidência

        Em contraste, surge o Osteopata Cientista, um novo cavaleiro, forjado não apenas na prática manual, mas na temperança da razão crítica e do rigor científico.

Seu escudo é o pensamento baseado em evidências.
Sua lança é o raciocínio clínico plausível e centrado no paciente.
Seu cavalo é o compromisso ético com a melhoria real da vida das pessoas.

        O Osteopata Cientista compreende que o corpo humano não é um conjunto de engrenagens mecânicas frágeis, mas um sistema dinâmico influenciado por fatores biológicos, psicológicos e sociais.
Ele reconhece a beleza das técnicas manuais, mas as integra com educação, movimento, e empoderamento do paciente — sabendo que nenhum toque, por si só, corrige a complexidade da dor.

Seus princípios são claros:

  • Evitar o overtesting: só solicitar exames complementares quando houver impacto direto no manejo clínico.

  • Evitar o overdiagnosis: não transformar variações normais da anatomia em patologias imaginárias.

  • Evitar o overtreatment: tratar o que realmente importa, reduzindo intervenções desnecessárias e respeitando o curso natural de muitas condições musculoesqueléticas.

  • Aplicar o melhor da ciência: buscar, criticar e aplicar as melhores evidências disponíveis, reconhecendo incertezas e comunicando-as com honestidade.

        O Osteopata Cientista não busca glória mística, nem a satisfação narcisista de “consertar” o outro.
Seu propósito é claro: ajudar as pessoas a restaurar seu funcionamento e autonomia, de maneira eficaz, ética e sustentável.


Dois caminhos, duas osteopatias

        A modernidade apresenta aos osteopatas um espelho: de um lado, a nostalgia heroica e ilusória do Don Quixote; do outro, o caminho árduo e honesto do Cientista.

Um pratica sobre fantasias; o outro constrói sobre evidências.
Um cria monstros; o outro enfrenta realidades.
Um promete curas mágicas; o outro oferece cuidado fundamentado.

        O futuro da osteopatia — e de seus pacientes — dependerá de qual cavaleiro escolheremos seguir.


Leonardo Rios Diniz, PT, DO MRO(Br), MSc
Fisioterapeuta e Osteopata
Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB)
Formação em Osteopatia pelo Instituto Brasileiro de Osteopatia W. G. Sutherland
Pós-graduação em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília (UnB)
Membro do Registro Brasileiro dos Osteopatas
Aprimoramento em Doenças Reumáticas pela EULAR (European Alliance of Associations for Rheumatology)
Aprimoramento em Biomecânica Crâneo-Cervical e Fisiopatologia da ATM
Sócio-diretor da Corpo Clínica de Fisioterapia Ltda.
Professor em cursos de graduação, pós-graduação e formação em terapia manual
Pesquisador em terapia manual e aprimoramento do diagnóstico clínico e funcional
Tradutor técnico-científico em ciências da saúde
Host do Podcast Osteopatia Científica
Cofundador da Comunidade Osteopatia Científica

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Controle Motor: A Base Científica que Está Revolucionando a Reabilitação!

Nervo vertebral

O teste de discriminação de dois pontos melhora com o tempo de prática?