🧠 Dor lateral do cotovelo: evidência fraca, prática acomodada?
Apesar de décadas de estudos sobre terapia manual, ainda temos pouca evidência sólida para justificar seu uso rotineiro na dor lateral do cotovelo. O que isso revela sobre nossa prática, nossas escolhas e a ciência que consumimos?
📌 Introdução: a dor que desafia a ciência
A dor lateral do cotovelo - frequentemente diagnosticada como epicondilalgia lateral - é uma das queixas mais comuns nos consultórios de fisioterapia, osteopatia e medicina esportiva.
Nos últimos anos, uma quantidade considerável de estudos tentou avaliar a eficácia da terapia manual para tratar essa condição.
E apesar da popularidade da abordagem, os resultados permanecem desanimadores.
Uma revisão sistemática publicada pela Cochrane em 2024 analisou os principais ensaios clínicos sobre o tema.
Na média, os efeitos sobre dor e incapacidade foram pequenos e de curta duração — e a maioria das evidências foi classificada como de baixa ou muito baixa qualidade.
Neste texto, vamos além dos números: propomos uma reflexão crítica sobre por que a ciência ainda falha em nos entregar respostas confiáveis — e o que isso diz sobre a prática clínica que adotamos.
❌ Diagnóstico impreciso: o primeiro erro
A maioria dos estudos usa critérios vagos para incluir participantes com “dor lateral do cotovelo”.
Poucos utilizam testes provocativos validados (como Cozen, Mill's, Maudsley), e quase nenhum confirma o diagnóstico com ultrassom ou avaliação funcional padronizada.
Resultado? Grupos de pacientes com causas distintas — tendinopatia, compressão neural, dor referida, entre outros — misturados no mesmo estudo.
Essa heterogeneidade clínica distorce os resultados e enfraquece qualquer conclusão.
🧬 Mecanismos fisiopatológicos ignorados
Grande parte da literatura ainda trata a dor lateral do cotovelo como um simples processo inflamatório ou degenerativo local.
Mas a ciência atual nos mostra um quadro mais complexo, envolvendo:
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Disfunção neuromuscular e controle motor;
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Sensibilização periférica e central;
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Processos adaptativos da matriz colagenosa e vascular.
Sem compreender esses mecanismos, aplicar terapia manual vira uma aposta — e os resultados, previsivelmente, se diluem na média estatística.
📉 Avaliações inconsistentes, intervenções despadronizadas
Além do diagnóstico frágil, os estudos usam desfechos mal definidos:
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Escalas de dor subjetivas, sem padronização do momento da avaliação;
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Sucesso percebido medido de formas distintas;
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Pouca ou nenhuma mensuração de função objetiva (como força de preensão sem dor ou retorno ao trabalho).
Do lado das intervenções, o problema se repete:
terapia manual é usada como um guarda-chuva genérico para técnicas muito diferentes — de mobilizações passivas a manipulações cervicais, com frequência e duração variáveis.
Essa diversidade torna a comparação entre estudos praticamente impossível, gerando alta heterogeneidade estatística.
🔄 O ciclo vicioso da ciência fraca
A maior parte dos estudos incluídos na revisão apresenta:
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Amostras pequenas;
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Risco alto de viés;
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Cegamento inadequado;
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E muitas vezes, intenção declarada de confirmar um benefício esperado.
O resultado é um ciclo vicioso:
Evidência fraca → Aplicação clínica pouco crítica → Novos estudos mal desenhados → Falta de mudança prática.
🧭 E agora? O que isso exige de nós?
A baixa qualidade geral da evidência sobre terapia manual para dor lateral do cotovelo não é um acaso.
Ela reflete problemas estruturais da pesquisa em terapia manual — e, talvez, um excesso de confiança não fundamentada por parte de quem a pratica e ensina.
Se queremos avançar, precisamos:
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Melhorar a acurácia diagnóstica;
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Escolher desfechos clínicos mais relevantes;
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Definir intervenções específicas e bem descritas;
-
E, acima de tudo, cultivar o pensamento crítico e a humildade científica.
🧠 Conclusão: ciência sem reflexão é só repetição
A terapia manual pode ter um papel valioso, mas não como panaceia.
Ela precisa ser testada com rigor, aplicada com critério, e interpretada com honestidade.
E como consumidores de ciência, temos o dever de não propagar — e até de refutar — evidências fracas ou mal construídas,
para quebrarmos o ciclo vicioso da acomodação clínica e da estagnação profissional.
💬 Queremos te ouvir:
Você acredita que a terapia manual ainda é subutilizada ou supervalorizada nessa condição?
Tem experiências clínicas que contrastam com a evidência atual?
Compartilhe sua opinião nos comentários — e vamos transformar conhecimento em evolução prática.
📚 Referência utilizada
Wallis JA, Nagpal TS, Lewis JS, Schneider GM. Manual therapy and exercise for lateral elbow pain. Cochrane Database Syst Rev. 2024;4(4):CD013531. doi:10.1002/14651858.CD013531.pub2.
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