A Crise e a Evolução da Osteopatia: uma análise crítica a partir da literatura recente

        A osteopatia, enquanto profissão de saúde, enfrenta hoje uma crise identitária e epistemológica profunda, como revelam diversas análises contemporâneas.

        Thomson e Martini (2024) apontam que parte significativa do ensino e da prática osteopática ainda é permeada por conceitos pseudocientíficos, o que compromete sua credibilidade e impede sua integração plena ao modelo de práticas baseadas em evidências. Essa crítica encontra eco em Thomson e MacMillan (2023), que ampliam a análise ao diagnosticar cinco fragilidades estruturais: uma base teórica frágil, a permanência de um biomédicalismo reducionista, o monointervencionismo manual, práticas centradas no profissional, e o uso de explicações implausíveis para fenômenos clínicos.

        Essa visão crítica é aprofundada por L’Hermite (2024), que propõe compreender a identidade osteopática como uma tensão contínua entre o idem — a preservação das tradições fundadoras — e o ipse — a necessidade de adaptação crítica às exigências científicas e sociais contemporâneas. Essa dialética sugere que a crise atual não é um simples conflito entre tradição e modernidade, mas um desafio de integração madura entre memória histórica e rigor epistemológico.

        Nessa perspectiva, Ochovo et al. (2024) argumentam que a osteopatia falha em satisfazer os critérios mínimos de cientificidade. Seus princípios fundadores, embora relevantes historicamente, não oferecem uma estrutura teórica testável e são frequentemente refratários à crítica empírica, colocando a prática osteopática em risco de ser classificada como pseudociência.

        Hidalgo et al. (2024) complementam esse diagnóstico ao introduzirem o conceito de "possibilismo anatômico": a tendência de construir narrativas clínicas exageradas baseadas em relações anatômicas improváveis. Essa prática reforça interpretações mecanicistas e nocebos, afastando a osteopatia dos modelos biopsicossociais modernos e dificultando sua evolução para uma prática plausível e centrada na pessoa.

        As críticas feitas por Lewis et al. (2020) ao excesso de medicina na prática musculoesquelética são igualmente aplicáveis à osteopatia: práticas intervencionistas desnecessárias, medicalização de variações anatômicas normais e falha em priorizar cuidados de alto valor são problemas partilhados. Nesse contexto, a revisão de Cook (2021) sobre a demonização da terapia manual oferece um contraponto importante: ao mesmo tempo em que é necessário superar os modelos ultrapassados, também é preciso reconhecer o valor da terapia manual moderna, desde que integrada a estratégias educacionais, ativas e baseadas em evidências.

        Tomando essas análises em conjunto, torna-se claro que a osteopatia está diante de uma encruzilhada histórica. Sua sobrevivência e relevância futura dependem não apenas de revisões técnicas, mas de uma transformação crítica profunda de seus fundamentos teóricos, filosóficos e clínicos. A superação da pseudociência, o abandono do possibilismo anatômico e a adoção de modelos centrados no paciente e no raciocínio plausível são não apenas desejáveis, mas imperativos para o futuro da profissão.


Referências

1.      Thomson OP, Martini C. Pseudoscience: A skeleton in osteopathy's closet. Int J Osteopath Med. 2024;52:100716. https://doi.org/10.1016/j.ijosm.2024.100716

2.      Thomson OP, MacMillan A. What’s wrong with osteopathy. Int J Osteopath Med. 2023;50:100693. https://doi.org/10.1016/j.ijosm.2023.100693

3.      L'Hermite P-L. The double facets of osteopathy’s identity. Int J Osteopath Med. 2024;52:100715. https://doi.org/10.1016/j.ijosm.2024.100715

4.      Tovar-Ochovo R, Hidalgo D, La Touche R. The roots of chaos: the problem with theoretical understanding in osteopathy. OSF Preprints. 2024.

5.      Hidalgo DF, MacMillan A, Thomson OP. ‘It’s all connected, so it all matters’ – the fallacy of osteopathic anatomical possibilism. Int J Osteopath Med. 2024;52:100718. https://doi.org/10.1016/j.ijosm.2024.100718

6.      Lewis J, Cook CE, Hoffmann TC, O’Sullivan P. The Elephant in the Room: Too Much Medicine in Musculoskeletal Practice. J Orthop Sports Phys Ther. 2020;50(1):1-4. https://doi.org/10.2519/jospt.2020.0601

7.      Cook CE. The Demonization of Manual Therapy. Muskuloskeletale Physiotherapie. 2021;25(3):125-132. https://doi.org/10.1055/a-1522-7311

 



Leonardo Rios Diniz, PT, DO MRO(Br), MSc

Fisioterapeuta e Osteopata

Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB)

Formação em Osteopatia pelo Instituto Brasileiro de Osteopatia W. G. Sutherland

Pós-graduação em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Universidade de Brasília (UnB)

Membro do Registro Brasileiro dos Osteopatas

Aprimoramento em Doenças Reumáticas pela EULAR (European Alliance of Associations for Rheumatology)

Aprimoramento em Biomecânica Crâneo-Cervical e Fisiopatologia da ATM

Sócio-diretor da Corpo Clínica de Fisioterapia Ltda.

Professor em cursos de graduação, pós-graduação e formação em terapia manual

Pesquisador em terapia manual e aprimoramento do diagnóstico clínico e funcional

Tradutor técnico-científico em ciências da saúde

Host do Podcast Osteopatia Científica

Cofundador da Comunidade Osteopatia Científica

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