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🏋️‍♂️ CrossFit, Core e Dor: O que a ciência nos conta

               Uma tríade de estudos recentes sobre CrossFit e disfunções musculoesqueléticas abre uma janela privilegiada para entender como um esporte de alta intensidade interage com mecanismos de dor, desempenho e controle motor . O que emerge não é uma resposta única, mas um mosaico de achados que exige olhar clínico crítico e integrador.   🔹 Dor Subacromial: o laboratório do trapézio e serrátil             O estudo de Guérineau et al. (2025) mostra que atletas de CrossFit com dor subacromial unilateral apresentam alterações discretas, mas relevantes, no padrão de ativação muscular : Mais atividade de trapézio inferior na fase concêntrica. Menos atividade de serrátil anterior na fase isométrica.             Isso não estabelece um padrão de dor, mas aponta para compensações específicas que podem gerar ...

Respirar para Sentir Menos Dor? O Diafragma em Foco no Pós-Operatório de Histerectomia

 Pode parecer simples demais, mas respirar bem — com o diafragma — pode ser uma intervenção terapêutica com impacto clínico real. Um estudo clínico randomizado recente avaliou os efeitos da respiração diafragmática na dor referida após histerectomia laparoscópica total. E os resultados surpreendem. Contexto: Cirurgia e Dor Referida A histerectomia laparoscópica é uma intervenção minimamente invasiva, mas frequentemente acompanhada de dor referida no ombro, muitas vezes relacionada à irritação do diafragma pelo gás insuflado na cavidade abdominal. Esse tipo de dor é uma velha conhecida nos centros cirúrgicos, mas ainda pouco abordada de forma eficaz. O Estudo: Método e Intervenção O estudo incluiu mulheres submetidas à cirurgia e randomizadas em dois grupos: Grupo Controle: cuidados pós-operatórios padrão; Grupo Intervenção: recebeu orientação e prática de  respiração diafragmática profunda  a cada duas horas, por três dias. Os desfechos principais foram  intensidade ...

Dor Lombar Crônica e Declínio Cognitivo: O Que a Coluna Tem a Ver com o Cérebro?

 Durante muito tempo, a dor lombar foi tratada como um problema “local”, centrado em discos, músculos e articulações. Mas estudos recentes vêm ampliando essa perspectiva. E um deles, publicado em 2024, sugere algo inquietante:  a dor lombar crônica pode estar associada a um declínio cognitivo acelerado em idosos . Pausa dramática. Sim, você leu certo. O Estudo A pesquisa analisou  quatro bases de dados populacionais com acompanhamento longitudinal  de milhares de idosos ao redor do mundo. Os autores avaliaram se pessoas com dor lombar crônica apresentavam maior risco de declínio cognitivo ao longo do tempo — e se esse efeito poderia ser mediado por variáveis como depressão, inatividade física ou distúrbios do sono. A resposta?  Sim, há associação. E não é pequena. Resultados: Mente e Dor Estão Conectadas Indivíduos com dor lombar persistente apresentaram  pior desempenho cognitivo ao longo dos anos , especialmente em funções executivas e memória. O impacto ...

Manipulação Vertebral: Entre Tradições, Evidência e o Futuro da Coluna

 A manipulação espinhal (SMT – Spinal Manipulation Therapy) é um daqueles temas que dividem opiniões. De um lado, terapeutas que a tratam quase como alquimia; de outro, céticos que a descartam como placebo vitaminado. Mas afinal, o que diz a ciência sobre o passado, presente e futuro dessa intervenção? Um Passado com Raízes Filosóficas (e Pouca Ciência) Historicamente, a manipulação vertebral emergiu dentro de sistemas como a quiropraxia e a osteopatia, carregando discursos filosóficos como "subluxações" e "fluxos de energia bloqueados". Esses conceitos, que hoje carecem de sustentação científica, foram úteis na formação de identidade profissional, mas atrapalham a consolidação científica da prática. Ou seja: boas mãos, péssimas hipóteses. O Presente: SMT sob Lupa Científica A boa notícia? Nas últimas décadas, a manipulação passou a ser estudada com metodologia mais robusta. Revisões sistemáticas apontam  efeitos moderados na redução da dor e melhora funcional , esp...

A virada silenciosa da terapia manual: menos geografia, mais fisiologia (e contexto).

          A percepção clínica sobre terapia manual está migrando do discurso de “recolocar estruturas” para a narrativa de modular sistemas — com cérebro, expectativa e aliança terapêutica dividindo o protagonismo com a biomecânica. E isso é bom. Só não vale transformar plausibilidade em dogma.           Se você atende dor cervical, a cena é familiar: mobilização passiva, reavaliação imediata, aquela sensação de “abriu”. Quando fisioterapeutas foram convidados a quantificar esse efeito, a média ficou por volta de 66% em uma escala de 0 a 100. É uma percepção moderado-alta , com variação grande — o que lembra que nem todas as respostas são iguais, nem todo contexto é o mesmo. O que mudou?           Quando perguntamos “o que explica esse efeito agora?”, o velho mapa “estrutura-centrado” dá lugar a um território neuro-contextual .           Os profissionais apontam o ...

Testes Provocativos para Ombro: Prática Frequente, Precisão Questionável

 Os testes provocativos fazem parte da rotina clínica diária na avaliação de dores no ombro. O paciente relata dor, o terapeuta realiza um conjunto de manobras específicas e, com base em respostas positivas, constrói-se uma hipótese diagnóstica. No entanto, a consistência científica por trás desses testes tem sido amplamente debatida. O estudo revisado por Christiansen et al. (2021) analisa criticamente a validade diagnóstica dos testes mais utilizados para condições comuns do ombro, como lesões do manguito rotador, impacto subacromial e instabilidade glenoumeral. A análise considerou 26 testes clínicos frequentemente usados, como Neer, Hawkins-Kennedy, Jobe, Lift-Off, Apprehension Test e Speed Test, confrontando-os com achados de imagem ou artroscopia, considerados padrão-ouro. Os resultados são preocupantes. Poucos testes mostraram valores confiáveis de sensibilidade e especificidade. O Jobe Test, por exemplo, apresentou sensibilidade entre 41 e 89% e especificidade entre 50 e 95...

Degeneração Vertebral Sem Sintomas: O Peso da Imagem Nem Sempre é Clínico

 A revisão sistemática conduzida por Brinjikji et al. (2015) lançou luz sobre uma das questões mais controversas da prática clínica musculoesquelética: o significado das alterações degenerativas na coluna vertebral observadas por imagem em indivíduos assintomáticos. A pesquisa compilou dados de 33 estudos com mais de 3.100 pacientes, evidenciando que diversas anormalidades radiológicas consideradas patológicas são, na verdade, extremamente comuns em pessoas sem dor. Os números são contundentes. Cerca de 37% dos jovens de 20 anos já apresentam degeneração discal em exames de imagem, percentual que sobe para 96% aos 80 anos. Protusões discais foram encontradas em até 30% dos indivíduos aos 20 anos e em mais de 80% aos 80. Outras alterações, como desidratação do disco, protrusão, fissuras anulares, osteófitos e espondilólise, mostraram padrões similares de aumento com a idade — mas sem qualquer correlação clínica com dor lombar ou cervical nesses sujeitos. Esses achados impõem uma ref...

Síndrome da Cauda Equina: Um Guia Prático ou Mais do Mesmo?

 A  Cauda Equina Syndrome (CES)  continua sendo uma das condições neurológicas mais temidas — e mal compreendidas — dentro da prática musculoesquelética. O artigo publicado na  The Lancet Rheumatology  por Woodfield et al. (2023) tenta organizar esse caos diagnóstico com uma proposta de definição prática e classificações clínicas progressivas. Mas a pergunta que fica é:  será que finalmente temos um modelo confiável ou só mais uma tentativa de padronizar o impalpável? 🔍 O Problema: Diagnóstico Ambíguo e Alto Risco Médico-Legal Apesar de ser uma emergência neurológica clássica, a CES é frequentemente mal diagnosticada. O tempo para descompressão cirúrgica influencia diretamente os resultados, mas o diagnóstico precoce é desafiador — tanto pelos sintomas iniciais vagos quanto pela falta de consenso sobre o que realmente configura uma CES "real". 📘 O Proposto: Uma Classificação Funcional por Estágios O artigo propõe 4 categorias principais da CES, com base n...

Instabilidade de Tornozelo e Diafragma: Correlação ou Forçação de Barra?

 Um estudo recente publicado na  Journal of Sport Rehabilitation  investigou se indivíduos com instabilidade crônica de tornozelo (CAI — chronic ankle instability) apresentariam alteração na contratilidade do diafragma. A hipótese? Uma suposta conexão entre controle postural global e função respiratória. Mas será que os resultados sustentam essa ideia? Spoiler: com viés de confirmação e metodologia duvidosa, talvez estejamos diante de mais uma “cadeia mística” mal disfarçada de ciência. O que o estudo investigou? A pesquisa avaliou 20 indivíduos com CAI e 20 controles, todos fisicamente ativos. A contratilidade diafragmática foi medida via ultrassonografia, utilizando a espessura do músculo em repouso e durante a inspiração profunda para calcular o  thickening ratio  — um índice amplamente utilizado em reabilitação respiratória. O grupo CAI apresentou menor contratilidade do diafragma comparado ao grupo controle. Conclusão dos autores?  A disfunção do torno...