Dor em Desenhos: O Que 21 Mil Pacientes Têm a Dizer?
O paciente chega, pega a ficha e, diante da silhueta humana impressa, rabisca com raiva a lombar, o pescoço ou o corpo todo. Você olha aquele “mapa da dor” e pensa: o que eu faço com isso?
Um estudo recente e gigantesco publicado em Pain Reports — com 21.123 pacientes com dor na coluna — resolveu levar esse desenho a sério. Muito a sério. Utilizando algoritmos de análise de dados, os pesquisadores exploraram os padrões desses desenhos e suas associações com fatores clínicos e psicológicos. Spoiler: tem mais ciência no lápis do que parece.
A Pergunta: O Que os Desenhos de Dor Revelam?
O estudo teve como objetivo identificar padrões distintos nos desenhos de dor e correlacioná-los com características clínicas e psicológicas dos pacientes com dor espinhal (cervical, torácica e lombar).
Como o Estudo Foi Conduzido?
Foram analisados 21.123 desenhos de dor oriundos de redes clínicas da Suécia.
Usaram técnicas de machine learning (clusterização de dados) para encontrar padrões entre os desenhos.
Esses clusters foram então correlacionados com:
Intensidade da dor
Catastrofização
Ansiedade e depressão (HADS)
Incapacidade funcional
Presença de dor irradiada
Qualidade do sono, entre outros fatores
Os Padrões Descobertos
Foram identificados 9 grupos distintos de padrões de dor, variando de desenhos focados (ex: cervical isolada) até desenhos “pintados” com dor difusa em várias regiões. E o mais interessante: quanto mais difuso e generalizado o padrão, maior a associação com fatores psicossociais negativos.
Em resumo:
Desenhos localizados → melhor funcionalidade, menos catastrofização, menor interferência da dor.
Desenhos amplos e complexos → mais ansiedade, depressão, insônia e incapacidades.
Isso Tem Implicações Clínicas?
Sim. E muitas.
Validação do instrumento: o desenho da dor não é apenas subjetivo. Ele mostra um padrão com valor diagnóstico e prognóstico.
Triagem rápida: em poucos segundos, você pode perceber que está diante de um paciente com provável sensibilização central e sofrimento psicológico.
Individualização da conduta: pacientes com dor difusa podem demandar abordagens biopsicossociais mais intensivas e foco em educação e estratégias de autocuidado.
Mas e a Causalidade?
Vale o ceticismo. O estudo é observacional e não estabelece causa e efeito. Os padrões de dor são correlatos, não diagnósticos definitivos. Além disso, fatores culturais e instruções clínicas podem influenciar o modo como os pacientes desenham a dor.
Conclusão
Você pode continuar ignorando o desenho da dor e pular direto para os testes ortopédicos. Ou pode começar a usá-lo como uma poderosa ferramenta de triagem clínica, especialmente em contextos de dor persistente e complexidade psicossocial.
A dor pode ser desenhada. E, ao que tudo indica, ela fala bastante com quem está disposto a interpretar.
Prof Leonardo Nascimento, Ft Msc DO PhD
Fisioterapeuta
Pós-graduado em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva pela UNICID/SP
Especialista em Terapia Manual e Postural pela Cesumar/PR
Especialista em Osteopatia pela Universidade Castelo Branco/RJ
Osteopata Certificado pela Escola de Madrid
Professor da Escola de Madrid Internacional
Mestre em Ciências – USP
Diplomado em Osteopatia pela SEFO (Scientific European Federation Osteopaths)
Doutor em Neurociências e Comportamento - FMUSP
Estudioso da área de palpação e sensibilidade manual tátil no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento na Universidade de São Paulo – USP
Colaborador do DO‑Touch - AOA (American Osteopathic Association)
Coordenador de Grupos de Pesquisa da Escola de Madrid Internacional
Host do Podcast Osteopatia Científica
Revisor de Periódicos de Fisioterapia e Osteopatia
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