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Dor em Desenhos: O Que 21 Mil Pacientes Têm a Dizer?

 O paciente chega, pega a ficha e, diante da silhueta humana impressa, rabisca com raiva a lombar, o pescoço ou o corpo todo. Você olha aquele “mapa da dor” e pensa:  o que eu faço com isso? Um estudo recente e gigantesco publicado em  Pain Reports  — com  21.123 pacientes com dor na coluna  — resolveu levar esse desenho a sério. Muito a sério. Utilizando algoritmos de análise de dados, os pesquisadores exploraram os padrões desses desenhos e suas associações com fatores clínicos e psicológicos. Spoiler: tem mais ciência no lápis do que parece. A Pergunta: O Que os Desenhos de Dor Revelam? O estudo teve como objetivo identificar  padrões distintos nos desenhos de dor  e correlacioná-los com características clínicas e psicológicas dos pacientes com dor espinhal (cervical, torácica e lombar). Como o Estudo Foi Conduzido? Foram analisados  21.123 desenhos de dor  oriundos de redes clínicas da Suécia. Usaram  técnicas de machine learnin...

TeleReabilitação para Dor Lombar Crônica: Conectando Movimento e Tecnologia

 A dor lombar crônica (DLC) continua sendo uma das principais causas de incapacidade no mundo. E enquanto os consultórios e clínicas lotam com pacientes que repetem a mesma frase — “já tentei de tudo” — surge uma nova proposta:  reabilitação baseada em exercício, feita à distância, com apoio da tecnologia . A chamada  telereabilitação . Mas será que funciona mesmo? Ou é mais uma moda passageira, como a cadeira que promete corrigir sua postura sem esforço? Uma  scoping review  recente mergulhou nesse universo para mapear a efetividade, as ferramentas e os desafios dessa abordagem. O Que Essa Revisão Investigou? Os autores buscaram responder uma pergunta direta:  qual é o estado atual das evidências sobre o uso da telereabilitação baseada em exercícios para tratar pacientes com dor lombar crônica? Para isso, realizaram uma revisão de escopo — uma metodologia útil para mapear o volume e os tipos de evidência disponíveis, especialmente em áreas emergentes ou po...

ATM e Refluxo: Uma Relação que Vai Muito Além da Azia

 A dor na articulação temporomandibular (ATM) é um dos quadros musculoesqueléticos mais complexos e multifatoriais que um clínico pode enfrentar. Agora imagine que, além do estresse, da oclusão e da sobrecarga muscular, o paciente ainda sofre de  refluxo gastroesofágico (DRGE) . Parece improvável? Pois é exatamente essa possível correlação que este estudo caso-controle investigou — e os resultados são, no mínimo, curiosos. Qual a Hipótese do Estudo? Os autores partiram da hipótese de que  pacientes com DRGE poderiam ter uma prevalência maior de disfunções temporomandibulares (DTMs) . A base dessa ideia está no  eixo cérebro-intestino-mandíbula , onde estresse, distúrbios autonômicos e inflamação sistêmica poderiam ser fatores de ligação entre as duas condições. Metodologia Foram avaliados  100 pacientes com diagnóstico confirmado de DRGE  (via endoscopia e sintomatologia) e comparados a  100 controles saudáveis , pareados por idade e sexo. Todos os par...

Treinamento Neuromuscular com Biofeedback em Tempo Real: Quando o Corpo Aprende com o Espelho Digital

 O que acontece quando você combina treinamento neuromuscular com tecnologia de biofeedback em tempo real? Se sua resposta foi “coisa de atleta de elite”, você está em parte certo — mas também está subestimando o potencial dessa ferramenta no manejo da dor, prevenção de lesões e reabilitação funcional. Um estudo randomizado controlado recente investigou exatamente isso em atletas jovens do sexo feminino. O Estudo Publicado em periódico internacional com boa qualificação na área de medicina esportiva, este RCT envolveu  jovens atletas do sexo feminino , muitas delas envolvidas com esportes de alta demanda como futebol, vôlei e basquete. O objetivo era verificar se o  treinamento neuromuscular com feedback em tempo real  (via sensores e monitores de movimento) traria benefícios adicionais em comparação ao treinamento convencional. Metodologia Os participantes foram randomizados em dois grupos: Grupo intervenção : Treinamento neuromuscular com feedback visual em tempo r...

Osteopatia Além do Aparelho Locomotor: O Que os Dados de Austrália e Nova Zelândia Têm a Nos Dizer?

 Você é do time que acredita que osteopatia trata “qualquer coisa”? Ou prefere se manter no campo das evidências, onde as articulações não curam gastrite, e mobilizações sacroilíacas não resolvem sinusite? Um estudo recente publicado em 2023 nos ajuda a entender melhor esse cenário. Intitulado  “Characteristics of Australian and New Zealand osteopaths who treat patients presenting with non-musculoskeletal complaints” , o artigo apresenta dados coletados de duas redes de pesquisa clínica (practice-based research networks — PBRNs) envolvendo 1201 osteopatas. O objetivo? Analisar o perfil dos osteopatas que  afirmam tratar condições não musculoesqueléticas  (não-ME). O que eles tratam? Quais técnicas usam? O que os diferencia dos colegas que mantêm o foco musculoesquelético? Quais “condições não musculoesqueléticas” foram relatadas? Os autores listam uma série de condições que os osteopatas afirmaram tratar, incluindo: Problemas digestivos (ex: refluxo, constipação) Cef...

Síndrome do Piriforme: o álibi perfeito para quem não sabe diagnosticar

  Introdução          Existe um vilão de estimação nos consultórios: o piriforme .      Toda dor glútea irradiada que não encaixa em diagnóstico lombar vira, de forma quase automática, “síndrome do piriforme”. É simples, rápido e convincente para o paciente. O problema? É também um atalho perigoso e, na maioria das vezes, um erro grosseiro .          A verdade é que a síndrome do piriforme existe , mas é rara . E só deve ser cogitada quando todo o resto foi descartado .   O que a ciência mostra          Nos últimos dez anos, a síndrome foi reposicionada como parte de um grupo maior: a síndrome glútea profunda , onde o nervo ciático pode ser comprimido não apenas pelo piriforme, mas também pelo obturador interno, gêmeos, tendão dos isquiotibiais ou por alterações anatômicas.          Ou seja, ...

Os Gurus da Fisioterapia: Entre o Mito e a Evidência

 A fisioterapia e a osteopatia foram, nas últimas décadas, terreno fértil para a ascensão de gurus e métodos milagrosos. Alguns com propostas didáticas ricas, outros com pretensões científicas frágeis, e muitos com promessas terapêuticas que nunca foram realmente testadas. Essa combinação entre carisma, metáforas clínicas e pseudociência elegante gerou um fenômeno perigoso:  a substituição da dúvida pela devoção. É nesse contexto que nasce a websérie  “Os Gurus da Fisioterapia e da Osteopatia: Entre o Mito e a Evidência”  — um projeto provocador, mas embasado, que revisita os principais métodos consagrados na prática clínica e os confronta com as melhores evidências disponíveis. Por dentro da websérie: episódios e suas evidências 1. A Era dos Gurus Reflexão inicial sobre o motivo pelo qual nossa área se tornou suscetível a “mestres” incontestáveis. Discute o impacto da ausência de pensamento crítico na formação profissional. 📖  Sackett DL et al. BMJ, 1996. 2. P...

Rigidez Espinhal Postero‑Anterior em Pacientes com Dor Lombar

 A sensação de “coluna rígida” é queixa comum entre pacientes com dor lombar — muitos profissionais inclusive baseiam intervenções manuais a partir dessa percepção. O estudo de Harsted et al. (2021) buscou quantificar essa rigidez de modo  instrumentado  (isto é, eletrônico/computacional) e relacionar os valores medidos com variáveis clínicas (idade, sexo, dor, incapacidade).  O que foi feito? Foram avaliados  127 pacientes  encaminhados a atendimento de segundo nível com dor lombar.  Utilizou-se um dispositivo de indentação (o  VerteTrack ) para aplicar pressão postero‑anterior à coluna, mensurando deslocamento e força (medidas de rigidez “global” e “terminal”).  Em seguida, cruzaram-se esses valores com 14 variáveis independentes (idade, sexo, escore de incapacidade, fatores psicométricos etc.) por meio de modelos de regressão com seleção de subset (best subset) para entender quais preditores melhor explicam a rigidez medida. Principais ach...

🏋️‍♂️ CrossFit, Core e Dor: O que a ciência nos conta

               Uma tríade de estudos recentes sobre CrossFit e disfunções musculoesqueléticas abre uma janela privilegiada para entender como um esporte de alta intensidade interage com mecanismos de dor, desempenho e controle motor . O que emerge não é uma resposta única, mas um mosaico de achados que exige olhar clínico crítico e integrador.   🔹 Dor Subacromial: o laboratório do trapézio e serrátil             O estudo de Guérineau et al. (2025) mostra que atletas de CrossFit com dor subacromial unilateral apresentam alterações discretas, mas relevantes, no padrão de ativação muscular : Mais atividade de trapézio inferior na fase concêntrica. Menos atividade de serrátil anterior na fase isométrica.             Isso não estabelece um padrão de dor, mas aponta para compensações específicas que podem gerar ...