INTERDEPENDÊNCIA REGIONAL

Texto do colaborador Pablo Santurbano.


Nossos agradecimentos antecipados!!!




Interdependência regional
Em 2013 foi publicada uma revisão de literatura a fim de discutir um tema muito revisitado na Fisioterapia: será que uma região do corpo pode afetar outra?
O estudo que será o foco dessa análise foi publicado num periódico que, cá entre nós, não é dos melhores (Q2 no SJR[i]), mas é indexado, revisado por pares e tudo mais. Particularmente, considero este estudo importante pelo fato de ter reunido muitos artigos sobre o assunto, compilando uma série de informações úteis para a prática clínica.
Sueki DG, Cleland JA, Wainner RS. A regional interdependence model of musculoskeletal dysfunction: research, mechanisms, and clinical implications. J Man Manip Ther. 2013 May;21(2):90-102.
Quem se interessar pode baixar o full grátis! :)
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3649356/

Propósito central da revisão
Refinar a definição operacional do conceito de interdependência regional (IR), examinar literatura que o endossa, discutir possíveis mecanismos clínicos relevantes e concluir com uma discussão sobre as implicações desses achados na prática clínica e pesquisas.

Por que estudar isso?
Principalmente no tratamento de desordens musculoesqueléticas, observa-se clinicamente o relacionamento entre regiões do corpo. Alguns estudos vêm gerando evidências ao longo das últimas décadas de que intervenções aplicadas a certa região anatômica podem influenciar o resultado e função em outras regiões. Tal influência pode acontecer entre regiões à distância ou, então, entre sistemas fisiológicos, influenciando direta ou indiretamente a função e os sintomas musculoesqueléticos e neuromusculares. Como afirmam os autores
"Disfunções em qualquer unidade do sistema causam estresses anormais em outros segmentos do sistema com o desenvolvimento de uma disfunção subsequente neste também".

Estudos clínicos
Quais são as evidências disso?
Há mais de 50 anos se constata a influência de regiões a distância no sistema musculoesquelético, em 1959, por exemplo, relatou que não era incomum jogadores de baseball com lesões no pé ou nos dedos do pé perderem a efetividade na articulação do ombro. Em 2000, Klein e colaboradores avaliaram sobreviventes de pólio e verificaram que fraqueza na extremidade inferior pode predispor esses indivíduos a sintomas de sobrecarga no ombro e a potencial influência negativa na função do ombro.
Existe, no entanto, uma variedade de estudos que endossam o raciocínio de interpendência regional, separei alguns citados na revisão que julguei mais expressivos.
Relacionados à dor lombar.

·       Diminuição de força, controle motor, ADM e mobilidade na parte inferior do corpo estão associados positivamente com a presença de dor lombar.
  • Existe associação entre dor lombar e osteoartrose de quadril e de joelho.
  • Existe relação entre o posicionamento do pé e do tornozelo e a região lombossacra, assim como associação entre pé plano e desordens no tornozelo e dor lombar.

Relacionados aos problemas de joelho.

  • Associação entre o tratamento, o posicionamento e alterações neuromusculares na região do quadril com dor e lesão no joelho.
  • Associação entre queda do navicular e dor patelofemoral.

Inter-relação entre cervical, torácica e membros superiores.
·       Associação entre epicondilite lateral e dor relatada na cervical e na torácica.
·       Relação entre manipulação cervical e diminuição no limiar de dor e aumento da força de preensão em pessoas com epicondilite lateral.
·       Aumento da força muscular do bíceps braquial e diminuição na inibição do músculo após manipulação cervical.
·       Função do ombro pode influenciar diretamente alterações no ombro e na mão.
·       Intervenções focadas na região torácica podem afetar alterações na região cervical.
·       Dor e disfunção na coluna torácica estão positivamente relacionadas com a presença de epicondilite lateral.

Discussão
Destacam-se, entre os mecanismos propostos para explicar tais relações, a cadeia cinética (proposta desde 1955), além de mecanismos neuromecânicos e neurofisiológicos de resposta à distância. Segundo os autores, qualquer condição ou desordem inicia uma série de respostas que envolve múltiplos sistemas corporais, não só o musculoesquelético, como o neurofisiológico, o somato-visceral e o biopsicossocial respondem quando uma condição ou doença altera a homeostase. Vide o grande progresso na Fisioterapia com a adoção de um modelo biopsicossocial. Intervenções e tratamentos focados numa única estrutura patológica podem algumas vezes apresentar resultados ruins, particularmente em desordens espinais das quais um tecido patoanatômico não pode ser identificado na maioria dos casos.
Como visto nos diversos estudos citados, o modelo de interdependência regional (IR) – como os autores chamam este fenômeno de inter-relação entre os componentes fisiológicos – parece apresentar uma grande contribuição clínica. Os autores sugerem que se abandone o modelo biomédico, mas ao invés disso, que ele se modifique para incluir considerações e conceitos adicionais. Evidentemente que, para que isso ocorra, mais estudos de Ciência básica, assim como pesquisas clínicas, são necessários para o desenvolvimento completo do modelo de IR.

Conclusão
Clínicos, nunca deixando de procurar identificar fontes anatomopatológicas dos sintomas dos pacientes (particularmente as condições de bandeira vermelha), deveriam passar a considerar também alterações em outros sistemas e regiões, já que estas poderiam estar associadas direta ou indiretamente com as queixas dos pacientes.

Observações pessoais
Apesar deste modelo já ser praticado há muito por diversas vertentes de pensamento dentro das profissões que lidam com o movimento, este estudo e outros do gênero são absolutamente necessários para que tais conceitos passem a ser aceitos cientificamente. Só assim, mais interesse (e verba) serão destinados a este tipo de pesquisa. Vivemos na Fisioterapia um panorama favorável para este tipo de raciocínio com as crescentes e sólidas evidências do papel da coxa nos problemas de joelho. Contudo, outras regiões estão na “berlinda”, como, por exemplo, a relação entre escápula e ombro, que carecem de evidências mais sólidas como mostra uma publicação deste ano.
No mais, acredito que a Fisioterapia enquanto Ciência poderia se beneficiar muito de visões mais “filosóficas” para otimizar o progresso científico, como as escolas de globalidade europeias (que apesar de apresentarem diversas falhas, apontam caminhos interessantes), uma Osteopatia cientificizada, além de um entendimento evolucionário e bioantropológico da cinesiologia, que auxiliar a definição de linhas de pesquisas clínicas, assim como na elaboração das condutas, pelo entendimento funcional das estruturas musculoesqueléticas num contexto de naturalidade.




[i] http://www.scimagojr.com/journalsearch.php?q=1066-9817&tip=iss

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