Os conceitos clássicos osteopáticos diante ao desafio científico: um desafio, uma oportunidade
A Osteopatia, como disciplina
dedicada à saúde, não pode nem deve fugir aos paradigmas que determinam as
atuações sanitárias. Desde o ponto de vista do corpo de conhecimento, qualquer
ciência somente existe e evolui pela aplicação, continua e sistemática do
método científico, o que permite aceitar, rejeitar, propor e desenhar o estado
atual e futuro dessa ciência.
Em Osteopatia, este caminho,
nomeado como Evidence Based Medicine-EBM (permitam-nos a
adaptação a Evidence Based Osteopathy) possui alguns desafios
maiores. Em primeiro lugar a qualidade na aplicação das técnicas osteopáticas
pode depender do terapeuta, o que dificulta sua padronização. Em segundo lugar,
muitos dos efeitos atingidos pela intervenção osteopática são dificilmente
mensuráveis, como acontece com o estado de ânimo ou o conforto. Finalmente, o
mais importante, a Osteopatia baseia-se no trabalho sobre e com o indivíduo, ou
seja, cada intervenção é individual e não transferível para outro individuo,
mesmo que sofra pela a mesma patologia nas mesmas circunstancias. Estas
características intrínsecas à prática osteopática estruturam um modelo de
intervenção complexo, ativo, adaptável e dedicado, onde a relação
terapeuta-paciente é chave no sucesso terapêutico.
Poderíamos pensar que este
cenário impede a submissão da Osteopatia á evidencia científica, mas analisando
com calma, podemos observar que não é exatamente assim. De fato, a atenção ao
indivíduo e não ao conjunto de indivíduos que compõem qualquer curva de
normalidade, ou a atenção ao indivíduo e não a atenção a sua doença, ou até a
dependência da efetividade em função das capacidades do terapeuta, encontram-se
na base da definição da EBM. Em outras palavras, somente existe EBM quando se
unem a melhor evidencia existente, as expectativas e valores do paciente, e a
experiencia clínica do terapeuta. Além do mais, as dificuldades do modelo
osteopático para encaixar nas exigências da EBM não são exclusivas da
Osteopatia. Podemos imaginar que qualquer cirurgia minimamente complexa vai
exigir uma capacidade técnica elevada do cirurgião, ou pode não se produzir
exatamente igual em função do paciente, os materiais de trabalho,... Da mesma
forma, as intervenções psicológicas podem não ter protocolos completamente
homogéneos, e lidam com variáveis, construtos e reações, dificilmente
mensuráveis ou aplicáveis de forma sistemática em entornos laboratoriais
clássicos (tecidos, animais de laboratório, fármacos...) . Porém, ninguém hoje
discute as capacidades destas disciplinas em mostrar e demostrar a validade de
seu corpo de conhecimento.
Em definitiva, devemos
assumir os retos conhecendo o terreno que pisamos e sabendo que não há que
inventar ou descobrir nada, já que os caminhos da ciência existem, são
estáveis, e estão dispostos a ser percorridos.
Como exemplo desta
confluência entre Osteopatia e corpo científico, podemos comentar a evolução
que o conceito clássico de facilitação medular tem encontrado na sensibilização
central, hoje modelo em que se baseiam alterações sensoriais de numerosas
síndromes dolorosas crónicas, como determinadas cefaleias, patologias
viscerais, fibromialgias, fadiga crónica...
De igual forma, as cadeias
lesionais descritas em Osteopatia encontram um reflexo no conceito de
interdependência regional, que tem servido para relacionar, por médio de
vínculos biomecânicos e neurofisiológicos, mas também químicos y psicossociais,
patologias e terapias anatomicamente distantes.
O conceito clássico de
autocura, em que o organismo possui as ferramentas para sua própria regulação,
além de vir desde a Grécia clássica, sendo promulgado por Hipócrates de Cos,
tem adquirido relevância e atualidade na aceitação da homeostasis e a
allostasis, como mecanismos que permitem a adaptação continua as variações
ambientais.
Sem pretender mais extensão
ou detalhe, pode ser observado que a estrutura do corpo de conhecimento
osteopático passa pela abertura a modelos biopsicossociais, além dos
biomecânicos e a neurofisiologicos, o que permite aceitar o paciente como
sujeito único, ativo e com capacidade de cura.
Por Francisco Albuquerque, PT
DO PhD
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